Não há imparcialidade em abstrato

26/03/2025

Não há imparcialidade em abstrato


Fernando Antônio Castelo Branco Sales Júnior é professor da Universidade Regional do Cariri – URCA e membro da Coordenação estadual da ABJD-CE



É impossível interpretar princípios jurídicos e valores democráticos de forma abstrata, descolada da realidade concreta e de seus contextos específicos. O direito é uma ciência social aplicada, e como tal está intrinsecamente ligado às dinâmicas da sociedade, seus conflitos, contradições, seus limites e suas possibilidades. 

O direito e sua interpretação não têm “neutralidade” diante dos conflitos sociais porque é produto desses conflitos, está impregnado pelos antagonismos dos grupos de interesse, é expressão da contradição da sociedade desigual que o origina. Como toda ciência social aplicada, sua efetividade depende da capacidade de adaptação às complexidades e às nuances dos casos concretos. 

Um exemplo dessa necessidade de contextualização ocorreu no STF por ocasião do julgamento da Arguição de Suspeição 235, e das Arguições de Impedimento 178 e 179, que visavam excluir os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin dos julgamentos envolvendo a participação de Bolsonaro na liderança de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça contra o patrimônio da união, e deterioração de patrimônio tombado. 

O STF decidiu que não havia motivos para a suspeição ou para impedimento dos ministros. E são duas as razões da decisão: uma objetiva; outra, subjetiva. Objetivamente os motivos de impedimento de magistrados nas ações criminais são definidos taxativamente e com interpretação restritiva do Art. 252, do Código de Processo Penal, e concretamente, nem Zanin, nem Dino, nem Moraes, funcionaram ou tiveram cônjuge ou parente, funcionando como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito na ação; não serviram como testemunha; não funcionaram como juízes em outras instâncias, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão; não são parte, nem são diretamente interessados no feito.

Mas Alexandre de Moraes não era vítima potencial do Golpe? Não pode ser classificado como inimigo capital de Bolsonaro? Não. Bolsonaro atacou publicamente o Ministro, não o inverso. Bolsonaro, denunciado pelo PGR, não pode arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido (Art. 565, CPP).

E Flávio Dino, não era Ministro da Justiça no dia 08/01/2023 e atuou diretamente, nesta condição, para a intervenção na segurança pública do Distrito Federal? Era. E como tal todas as ações praticadas foram no estrito cumprimento do dever legal e funcional de defender a integridade das instituições democráticas. Não pode ser impedido de atuar como juiz em razão dos atos que corretamente desempenhou como Ministro de Estado da Justiça.

Essa decisão ilustra a importância de se analisar os princípios jurídicos à luz dos casos concretos. O princípio da imparcialidade do juiz, por exemplo, é fundamental para o Estado Democrático de Direito, mas sua aplicação não pode ser reduzida a uma interpretação desconectada da realidade.


Artigo publicado originalmente no Jornal “O Povo” no dia 24/03/2025. 

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