Por Artur Freixedas Colito
Advogado popular, do Colegiado Nacional da ABJD, membro do coletivo de Direitos Humanos do Movimento dos Atingidos por Barragens.
Por Fernanda de Oliveira Lage
Assessora parlamentar, integra o Colegiado Nacional da ABJD e o Coletivo de Direitos Humanos do Movimento dos Atingidos por Barragens.
Se passou quase uma década desse que foi o maior desastre crime da história do Brasil, um crime socioambiental marcado pela busca incessante do lucro, mesmo que ao custo de vidas.
O crime resultou em 19 mortes imediatas, danos imensos à saúde física e mental de dezenas de milhares de pessoas atingidas, morte de centenas de milhares de espécimes da fauna da Bacia do Rio Doce e litoral do ES e BA, além da perda do direito ao lazer e cultura ligados ao rio e a uso da terra às margens do rio.
Ao longo da batalha pela reparação integral, as mulheres sofreram discriminação ao acessarem políticas de mitigação dos dano, o ex juíz responsável pelo caso, Mário de Paula, desrespeitou diversas vezes as normas do processo civil e coletivo, dezenas de lideranças e manifestantes foram processados pelas mineradoras e a Fundação Renova, que era uma marionete das poluidoras-pagadoras, gastou mais de 30 bilhões sem apresentar resultados satisfatórios à maior parte das comunidades atingidas.
A falta de participação popular foi um marco nesses 9 anos. Alegando diversas razões, instituições de justiça, governos federais e estaduais capitularam à vontade das empresas de excluir qualquer representação direta das pessoas atingidas nas principais negociações sobre o futuro da região ou de quem sofreu com o crime.
O capítulo mais recente foi a Repactuação de Mariana assinada no dia 25.10.2024, intitulado o "maior acordo ambiental da história" em valores, somatórias esses que serão pagos em parcelas por 20 anos. Acordo esse que foi finalizado às pressas, em meio ao início do julgamento do mesmo caso na Justiça Inglesa, numa ação coletiva envolvendo cerca de 600 mil pessoas atingidas, municípios, quilombos e povos indígenas.
O caso também foi apresentado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que em julho de 2023 disse que iria se pronunciar sobre a admissibilidade do caso, inclusive fazendo audiência sobre o tema em julho de 2024.
No entanto, cabe ressaltar que diversas propostas dos movimentos populares, em especial do Movimento dos Atingidos por Barragens, se materializaram nesse acordo da Repactuação.
Embora o movimento não tenha tido acesso ao acordo antes de sua divulgação pela imprensa, não tenha participado de sua negociação ou assinado o documento, a pressão popular e sensibilização dos atores públicos e do sistema de justiça garantiu que o desejo das comunidades atingidas fosse parcialmente incluído no acordo.
Ressaltamos algumas conquistas dessa luta:
Povo em luta, rio de esperança
Assim, ainda que sem participação popular efetiva, houve sinalizações importantes, que se bem executadas, poderão caminhar rumo à reparação integral. Cabe garantir transparência e meios de incidência para que seja possível o acompanhamento da execução do Acordo.
No entanto, a falta de participação das atingidas, que foi um desrespeito à centralidade do sofrimento das vítimas, princípio assegurado pela CIDH e pela PNAB, também resultou em graves lacunas no acordo, que foram destacados por ofício da ABJD entregue ao ministro Luís Barroso no dia 05.11.24., um dia antes da homologação do acordo, vejamos:
Seguimos, portanto, vigilantes, sabendo que a reparação integral1, ainda figura em um horizonte distante, mas seguiremos acompanhando a execução desse acordo, defendendo a participação das pessoas atingidas, um novo modelo de governança e sobretudo, a superação deste modelo extrativista colonial, que em sua essência, é violador de direitos e atenta contra a soberania do nosso país.
Águas para a vida! Não para a morte!
1 Este é um conceito que advém da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e está sendo integrado à legislação brasileira, a exemplo da Lei Estadual 23.795/2021 de Minas Gerais. A Reparação Integral consiste na restituição, mitigação e reabilitação
dos danos, bem como na satisfação das vítimas e nas garantias de não repetição das violações de direitos.
Belo Horizonte, 6 de novembro de 2024
Palavras-chave: Mariana, Samarco, Direitos Humanos, Atingidos por Barragens
Este artigo de opinião integra o Observatório Justiça e Democracia (OJD). Este conteúdo não expressa necessariamente a posição da ABJD sobre o tema exposto, sendo apenas a posição de seus autores.