Por Camilo Bueno Rodovalho
Advogado, Pós-Graduado em Direito Empresarial pela FGV Direito SP, Assessor Parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, Membro do Colegiado Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e Coordenador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - Núcleo Goiás (ABJD-GO).
A presunção de inocência deveria ser um princípio inabalável do Estado Democrático de Direito. No entanto, o caso de Bruno Pena, preso preventivamente durante a Operação Fundo do Poço, mostra como esse direito básico pode ser facilmente ignorado.
O jurista, que também é membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia — Núcleo Goiás (ABJD-GO), foi acusado de receber honorários superfaturados do fundo partidário do Partido Republicano da Ordem Social (Pros) nas eleições de 2022. A Operação Fundo do Poço, conduzida pela Polícia Federal, investigava supostos desvios de recursos do fundo partidário do Pros. No caso, nenhuma prova foi apresentada para justificar a prisão preventiva, evidenciando um uso inadequado deste recurso.
A Operação Fundo do Poço focou na possível malversação de recursos que deveriam ser destinados a atividades partidárias e eleitorais legítimas, mas que, segundo as acusações, teriam sido desviados para outros fins. A investigação mirava não apenas membros do partido, mas também profissionais ligados ao Pros, como advogados e consultores.
Atuando como advogado eleitoral para o Pros, Bruno Pena foi acusado de ser um dos beneficiários desses desvios, recebendo honorários advocatícios que teriam sido superfaturados. A operação alegava que esses pagamentos eram uma forma de lavar dinheiro desviado do fundo partidário. No entanto, a investigação não conseguiu apresentar provas de que o advogado tivesse cometido qualquer ato ilícito, e, na verdade, os pagamentos recebidos eram legítimos e referentes aos serviços advocatícios prestados ao partido.
Apesar das acusações, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios não incluiu Bruno Pena na denúncia oferecida nos autos do processo n.º 0600110-74.2022.6.07.0001. O Ministério Público, ao reconhecer a falta de provas consistentes, destacou que está acompanhando os julgamentos dos habeas corpus impetrados pelos envolvidos para evitar a criminalização indevida da advocacia. Além disso, o MP reservou-se o direito de oferecer ou não denúncia contra o advogado após a realização de diligências essenciais e uma análise mais aprofundada dos elementos presentes nos autos.
Após três dias na Superintendência Regional da PF em Curitiba e sete dias no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, o jurista foi solto em 20 de junho de 2024, graças ao ministro Raul Araújo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro concedeu habeas corpus, destacando que não havia qualquer ato ilícito por parte do acusado. As acusações baseavam-se em suposições e aumentos de recursos em sua conta – a mesma conta que recebeu pagamentos legítimos por serviços advocatícios.
A ABJD-GO manifestou seu apoio ao advogado, destacando a importância da presunção de inocência. A Ordem dos Advogados do Brasil Seção Goiás (OAB-GO) também ressaltou a legitimidade da contratação de serviços advocatícios pelos partidos políticos e a livre negociação de honorários. Isso deveria ser o padrão, mas aparentemente princípios básicos são facilmente ignorados.
A prisão preventiva não deve ser uma ferramenta para antecipar punições, mas sim uma medida excepcional, que não deve servir à violação da presunção de inocência e do devido processo legal. Deve ser aplicada com extremo cuidado e responsabilidade, e no caso do jurista, a falta de provas e a ausência de justificativas válidas para a sua prisão preventiva são indicativos claros de que a medida foi inadequada.
O impacto da prisão preventiva indevida vai além do indivíduo, que tem a sua reputação profissional seriamente afetada por uma detenção arbitrária e injustificada. A justiça é seletiva, e a prisão preventiva, quando aplicada sem os devidos fundamentos, transforma-se em uma punição antecipada e equivocada, violando direitos fundamentais e destruindo carreiras. Este tipo de prática revela uma falha grave no sistema de justiça, onde a pressa em prender é priorizada sobre a análise cuidadosa das provas e circunstâncias.
A aplicação indiscriminada da prisão preventiva coloca em risco a liberdade de qualquer pessoa, expondo-a a uma punição sem julgamento justo, como no caso do advogado, onde a ausência de provas e a manutenção da prisão preventiva foram um abuso claro dos poderes judiciais. A decisão do ministro Raul Araújo de conceder o habeas corpus foi um passo essencial para corrigir essa injustiça, mas os danos causados durante o período de detenção são irreparáveis.
Conforme a legislação brasileira, a prisão preventiva deve ser aplicada apenas em casos onde há risco concreto de fuga, ameaça à ordem pública ou econômica, ou quando há possibilidade de o acusado interferir nas investigações. No caso do jurista, nenhuma dessas condições foi demonstrada, tendo sido a prisão baseada em presunções infundadas, o que evidencia o uso inadequado e abusivo deste recurso judicial.
Bruno Pena, advogado de origem simples que ascendeu nos últimos anos, tem se destacado por sua trajetória exemplar. Atualmente, é uma figura respeitada e articulada politicamente. Sua ascensão, baseada no mérito e na competência, é notável e ilustra sua capacidade e inteligência.
O caso de Bruno Pena não pode ser analisado sem considerar a possível utilização do lawfare, com possível uso indevido das leis e procedimentos jurídicos para fins de perseguição política. Advogado de grande destaque no campo político, foi alvo de uma medida possivelmente destinada a minar sua credibilidade e interromper sua trajetória.
Além disso, a detenção de Bruno Pena revela uma irresponsabilidade alarmante com sua vida e liberdade. O tratamento desumano a que o jurista foi submetido, passando dias em uma superintendência e semanas em um complexo penitenciário, o expôs a condições degradantes e humilhantes. A liberdade, que é um direito fundamental, foi arbitrariamente suprimida, colocando em risco sua saúde mental e física. A detenção não só comprometeu sua dignidade, mas também gerou impactos profundos em sua vida pessoal.
A ABJD ao manifestar apoio a Bruno Pena, não está apenas defendendo um colega, mas também reafirmando a necessidade de se respeitar os princípios fundamentais do direito. Casos como este mostram o quanto a aplicação correta da lei é fundamental para que não seja banalizado o desprezo à dignidade humana.
A presunção de inocência é um direito inalienável que deve ser rigorosamente observado em todos os níveis do sistema judicial, e assim como o devido processo legal, não pode ser subestimada. Esses princípios são os alicerces sobre os quais se constrói um sistema de justiça justo e equitativo. Sem eles, corremos o risco de transformar a justiça em um instrumento de opressão e não de proteção.
O caso de Bruno Pena revela como a prisão preventiva, quando mal aplicada, gera injustiças profundas, que evidenciam irresponsabilidade na atuação de parte do Poder Judiciário. O sistema de justiça deve ser fortalecido, mas também transformado, para que não continue sendo terrivelmente injusto. É inadmissível que tais abusos continuem a destruir vidas, a mudança é urgente e inadiável.
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