Abusos na Prisão Preventiva e A Necessidade de Efetividade à Presunção de Inocência

20/08/2024

Abusos na Prisão Preventiva e A Necessidade de Efetividade à Presunção de Inocência


Por Camilo Bueno Rodovalho 
Advogado, Pós-Graduado em Direito Empresarial pela FGV Direito SP, Assessor Parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, Membro do Colegiado Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e Coordenador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - Núcleo Goiás (ABJD-GO). 

A presunção de inocência deveria ser um princípio inabalável do Estado Democrático de Direito. No entanto, o caso de Bruno Pena, preso preventivamente durante a Operação Fundo do Poço, mostra como esse direito básico pode ser facilmente ignorado. 

O jurista, que também é membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia — Núcleo Goiás (ABJD-GO), foi acusado de receber honorários superfaturados do fundo partidário do Partido Republicano da Ordem Social (Pros) nas eleições de 2022. A Operação Fundo do Poço, conduzida pela Polícia Federal, investigava supostos desvios de recursos do fundo partidário do Pros. No caso, nenhuma prova foi apresentada para justificar a prisão preventiva, evidenciando um uso inadequado deste recurso. 

A Operação Fundo do Poço focou na possível malversação de recursos que deveriam ser destinados a atividades partidárias e eleitorais legítimas, mas que, segundo as acusações, teriam sido desviados para outros fins. A investigação mirava não apenas membros do partido, mas também profissionais ligados ao Pros, como advogados e consultores. 

Atuando como advogado eleitoral para o Pros, Bruno Pena foi acusado de ser um dos beneficiários desses desvios, recebendo honorários advocatícios que teriam sido superfaturados. A operação alegava que esses pagamentos eram uma forma de lavar dinheiro desviado do fundo partidário. No entanto, a investigação não conseguiu apresentar provas de que o advogado tivesse cometido qualquer ato ilícito, e, na verdade, os pagamentos recebidos eram legítimos e referentes aos serviços advocatícios prestados ao partido. 

Apesar das acusações, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios não incluiu Bruno Pena na denúncia oferecida nos autos do processo n.º 0600110-74.2022.6.07.0001. O Ministério Público, ao reconhecer a falta de provas consistentes, destacou que está acompanhando os julgamentos dos habeas corpus impetrados pelos envolvidos para evitar a criminalização indevida da advocacia. Além disso, o MP reservou-se o direito de oferecer ou não denúncia contra o advogado após a realização de diligências essenciais e uma análise mais aprofundada dos elementos presentes nos autos. 

Após três dias na Superintendência Regional da PF em Curitiba e sete dias no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, o jurista foi solto em 20 de junho de 2024, graças ao ministro Raul Araújo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro concedeu habeas corpus, destacando que não havia qualquer ato ilícito por parte do acusado. As acusações baseavam-se em suposições e aumentos de recursos em sua conta – a mesma conta que recebeu pagamentos legítimos por serviços advocatícios. 

A ABJD-GO manifestou seu apoio ao advogado, destacando a importância da presunção de inocência. A Ordem dos Advogados do Brasil Seção Goiás (OAB-GO) também ressaltou a legitimidade da contratação de serviços advocatícios pelos partidos políticos e a livre negociação de honorários. Isso deveria ser o padrão, mas aparentemente princípios básicos são facilmente ignorados. 

A prisão preventiva não deve ser uma ferramenta para antecipar punições, mas sim uma medida excepcional, que não deve servir à violação da presunção de inocência e do devido processo legal. Deve ser aplicada com extremo cuidado e responsabilidade, e no caso do jurista, a falta de provas e a ausência de justificativas válidas para a sua prisão preventiva são indicativos claros de que a medida foi inadequada.  

O impacto da prisão preventiva indevida vai além do indivíduo, que tem a sua reputação profissional seriamente afetada por uma detenção arbitrária e injustificada. A justiça é seletiva, e a prisão preventiva, quando aplicada sem os devidos fundamentos, transforma-se em uma punição antecipada e equivocada, violando direitos fundamentais e destruindo carreiras. Este tipo de prática revela uma falha grave no sistema de justiça, onde a pressa em prender é priorizada sobre a análise cuidadosa das provas e circunstâncias. 

A aplicação indiscriminada da prisão preventiva coloca em risco a liberdade de qualquer pessoa, expondo-a a uma punição sem julgamento justo, como no caso do advogado, onde a ausência de provas e a manutenção da prisão preventiva foram um abuso claro dos poderes judiciais. A decisão do ministro Raul Araújo de conceder o habeas corpus foi um passo essencial para corrigir essa injustiça, mas os danos causados durante o período de detenção são irreparáveis. 

Conforme a legislação brasileira, a prisão preventiva deve ser aplicada apenas em casos onde há risco concreto de fuga, ameaça à ordem pública ou econômica, ou quando há possibilidade de o acusado interferir nas investigações. No caso do jurista, nenhuma dessas condições foi demonstrada, tendo sido a prisão baseada em presunções infundadas, o que evidencia o uso inadequado e abusivo deste recurso judicial. 

Bruno Pena, advogado de origem simples que ascendeu nos últimos anos, tem se destacado por sua trajetória exemplar. Atualmente, é uma figura respeitada e articulada politicamente. Sua ascensão, baseada no mérito e na competência, é notável e ilustra sua capacidade e inteligência. 

O caso de Bruno Pena não pode ser analisado sem considerar a possível utilização do lawfare, com possível uso indevido das leis e procedimentos jurídicos para fins de perseguição política. Advogado de grande destaque no campo político, foi alvo de uma medida possivelmente destinada a minar sua credibilidade e interromper sua trajetória.

Além disso, a detenção de Bruno Pena revela uma irresponsabilidade alarmante com sua vida e liberdade. O tratamento desumano a que o jurista foi submetido, passando dias em uma superintendência e semanas em um complexo penitenciário, o expôs a condições degradantes e humilhantes. A liberdade, que é um direito fundamental, foi arbitrariamente suprimida, colocando em risco sua saúde mental e física. A detenção não só comprometeu sua dignidade, mas também gerou impactos profundos em sua vida pessoal. 

A ABJD ao manifestar apoio a Bruno Pena, não está apenas defendendo um colega, mas também reafirmando a necessidade de se respeitar os princípios fundamentais do direito. Casos como este mostram o quanto a aplicação correta da lei é fundamental para que não seja banalizado o desprezo à dignidade humana.  

A presunção de inocência é um direito inalienável que deve ser rigorosamente observado em todos os níveis do sistema judicial, e assim como o devido processo legal, não pode ser subestimada. Esses princípios são os alicerces sobre os quais se constrói um sistema de justiça justo e equitativo. Sem eles, corremos o risco de transformar a justiça em um instrumento de opressão e não de proteção.

O caso de Bruno Pena revela como a prisão preventiva, quando mal aplicada, gera injustiças profundas, que evidenciam irresponsabilidade na atuação de parte do Poder Judiciário. O sistema de justiça deve ser fortalecido, mas também transformado, para que não continue sendo terrivelmente injusto. É inadmissível que tais abusos continuem a destruir vidas, a mudança é urgente e inadiável.

Goiânia, 20 de agosto de 2024. 
Palavras-chave: Presunção de Inocência, Direito de Defesa, Prisão Preventiva 



Este artigo de opinião integra o Observatório Justiça e Democracia (OJD). Conheça a metodologia de submissão de artigos clicando na imagem acima. 



Escolha a ABJD mais próxima de você

TO BA SE PE AL RN CE PI MA AP PA RR AM AC RO MT MS GO PR SC RS SP MG RJ ES DF PB