Sobre o Dia da Advocacia e nossa missão fundamental

11/08/2024

Sobre o Dia da Advocacia e nossa missão fundamental


Veronica Salustiano

Advogada Popular, coordenadora do Observatório Justiça e Democracia, membra da Executiva Nacional da ABJD.

Em mais um 11 de agosto, “Dia do Advogado”, que prefiro chamar “Dia da Advocacia”, somos convidadas e convidados a refletir sobre nosso papel. Não, não esse de divergir de tudo a todo custo, ou recorrer do irrecorrível, muito menos o do exercício da retórica infinita, ou da redundância e do juridiquês… Nem mesmo o mercantil e tecnicista, ensimesmado sob a égide da teoria pura do direito. 

No Brasil, ao menos, juramos em nosso ato de recebimento da identidade profissional, em um compromisso solene, “exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”. 

Ao que parece, esse juramento diz que devemos atuar não apenas como profissionais no mercado privado, mas sobretudo, junto aos poderes da república como guardiãs e guardiões dos direitos humanos, da justiça social, da Constituição e da Democracia. 

“Ponham aos olhos em mim”, clamou Esperança Garcia - mulher negra escravizada, uma das primeiras mulheres que exerceu a advocacia em nosso país, ao se dirigir ao governador da capitania reclamando seus direitos, lutando por liberdade. Luiz Gama, advogado negro, filho de uma mulher negra escravizada, Luísa Mahín, símbolo da resistência, nos lembra: “Todo escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata em legítima defesa.” Essa afirmação impactante ilumina a complexidade das relações de poder e de como devemos pensar e agir sobre nossa profissão em seu fundamento coletivo. 

Não podemos olhar para essas leis e esse juramento, sem antes olharmos para as pessoas, sem entender quem somos no Brasil e como se constituiu nosso Estado burguês, como iniciaram a formulação das nossas Constituições e Leis e quem são os que conseguem imprimir maior força política para que elas sejam além dos textos legais, também efetivas e determinantes na reprodução da vida das pessoas. As classes dominantes ao longo de nossa história logram esse êxito, o que não determina que o futuro assim permanecerá. 

A formação da estrutura jurídico-política brasileira carregou consigo outras duas estruturas de opressão e exploração, além da econômica, quais sejam o racismo e o patriarcado, sendo que subsistem até os dias atuais. A produção e reprodução de nossas leis e instituições democráticas por vezes em nossa história além de serem meros instrumentos formais injustos, se fazem cruéis, mantendo trabalhadores e trabalhadoras sem condições de lutarem por dias melhores, além de aprisionar pessoas negras no sistema carcerário e excluir da cidadania civil e política mulheres, pessoas LGBTQIA+ indígenas, quilombolas e nossa mais uma gama de nossa diversidade étnica e cultural. 

Em nossa história recente passamos por diversos ataques ao Estado Democrático de Direito, desde o golpe de estado em 2016 sob falsas justificativas jurídicas em imputar crime de responsabilidade que não existiu e retirar por meio de impeachment a presidenta eleita Dilma Rousseff, em seguida a perseguição via Lawfare ao presidente Lula, as diversas modificações Constitucionais para reduzir direitos trabalhistas, sociais, garantias fundamentais, modificação de cláusulas pétreas, entre outros, até a eleição de um representante do neofascismo. 

Diante de todo e qualquer retrocesso em garantias e direitos fundamentais, do autoritarismo, do fascismo, só podemos ter uma posição: a de contrariedade! Devemos repelir e expurgar essas práticas e os representantes dessas vertentes, seja na política, na atuação jurídica ou na sociedade.  

O poder judiciário permanece como o mais antidemocrático e atrasado da República, sendo nosso dever lutar, também, pela sua democratização, se assim estamos comprometidos com os direitos humanos e a justiça social. 

Portanto, ao celebrarmos o “Dia da Advocacia”, devemos trazer à tona essa reflexão crítica sobre nosso papel na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Não podemos nos submeter a um exercício vazio da profissão; temos a responsabilidade de ser agentes de transformação, promovendo a equidade e lutando contra as desigualdades que persistem em nosso país. 

A advocacia, então, deve transcender a defesa individual e abraçar a luta coletiva. Estamos aqui para dialogar com a realidade social e histórica do Brasil, reconhecendo que nossa atuação não pode ser desassociada das lutas. 

Diante da brutalidade das desigualdades sociais e das injustiças estruturais, a advocacia deve ser um ato de resistência e um compromisso constante com a transformação social. Precisamos ser vozes para aqueles que não têm voz, questionando e desnudando a inverídica neutralidade das normas e instituições jurídicas e defendendo aqueles cujos direitos são constantemente ignorados. 

Neste dia, devemos saudar a todos e todas que trabalham para reavivar o sentido de nossa missão! Que lutam não apenas para defender a letra da lei, mas lutam pela justiça, reconhecendo nossas raízes e a necessidade de um Estado verdadeiramente democrático que garanta os direitos de todos. A advocacia é, antes de tudo, um chamado à ação. Que possamos sempre lembrar que a verdadeira defesa da justiça se dá na luta constante pela dignidade e liberdade do povo. 

Viva os advogados e as advogadas que lutam pela Democracia! Viva a ABJD! 

Palmas, 11 de agosto de 2024

Palavras chave: Advocacia. Democracia. Luta

Este artigo de opinião integra o Observatório Justiça e Democracia (OJD). Conheça a metodologia de submissão de artigos clicando na imagem acima. 


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