Nota sobre a Chacina de 28/10/25 no Rio de Janeiro

29/10/2025

Nota sobre a Chacina de 28/10/25 no Rio de Janeiro


A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) manifesta seu mais veemente repúdio à megaoperação policial deflagrada no dia 28 de outubro de 2025, nos Complexos do Alemão e da Penha, na cidade do Rio de Janeiro, que resultou, até o momento, em 128 mortes — entre moradores, trabalhadores e policiais —, além de provocar fechamento de escolas, paralisação do transporte público, colapso urbano e pânico generalizado na cidade.


A ação, anunciada como a “maior operação da história do estado”, mobilizou blindados, helicópteros e centenas de agentes, transformando a cidade em um cenário de guerra. O que deveria ser uma política de segurança pública se mostrou uma política de morte, um estado de exceção que despreza a vida, sobretudo negra e periférica.


A operação apresenta graves indícios de ilegalidade e violação de direitos fundamentais. Contrariou a decisão do STF na ADPF 635, que estabelece parâmetros de planejamento, comunicação prévia ao Ministério Público, preservação da vida e redução de danos em ações policiais. Houve ainda ausência de comando unificado, falta de integração institucional com órgãos como o MP, a Defensoria Pública e o Corpo de Bombeiros, em violação à Constituição que prevê o dever de coordenação e controle civil das forças de segurança. O uso desproporcional da força letal, o não acionamento de equipes de socorro e o emprego de agentes sem capacitação tática adequada configuram omissão de socorro e responsabilidade objetiva do Estado. 


O que se assistiu no Rio de Janeiro não foi “combate ao crime”, mas política de extermínio e controle social. A violência do Estado não é neutra: é racializada e territorializada. A juventude negra e periférica é o principal alvo das balas e da omissão estatal.


Essa realidade é expressão direta da herança da escravidão, que estruturou um Estado voltado ao controle armado de territórios negros e pobres. A lógica de “guerra” aplicada às favelas perpetua o racismo institucional, a criminalização da pobreza e a naturalização da morte como política pública.


O governador Cláudio Castro, comandante em chefe das polícias estaduais, é politicamente e juridicamente responsável pela condução e pelos resultados da operação. Há indícios de desvio de finalidade e de autopromoção política na execução da ação, o que pode configurar ato de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992, art. 11).


A espetacularização da violência — transformando mortes em manchetes e fuzis apreendidos em troféus — revela um projeto de poder fundado no punitivismo midiático e na exploração eleitoral da barbárie.


O suposto envio de informações sigilosas sobre operações policiais e dados de inteligência do Rio de Janeiro aos Estados Unidos, caso confirmado, configura grave violação da soberania nacional. A Constituição Federal (art. 1º, I e art. 4º, I) estabelece a independência e autodeterminação do Estado brasileiro como princípios fundamentais da República, e o repasse de dados internos a um governo estrangeiro sem autorização da União pode caracterizar crime contra a soberania previsto na Lei de Segurança Nacional (Lei 14.197/2021). Tal conduta pode enquadrar-se no artigo 359-I do Código Penal, que tipifica o crime de “comunicar, entregar ou permitir que estrangeiro obtenha informação, documento ou dado sigiloso que possa pôr em risco a soberania nacional ou a integridade do Estado”.


Nesse contexto, o governo estadual que compartilha informações estratégicas com autoridades de outro país sem respaldo do governo federal incorre em usurpação de competência da União e colaboração indevida com potência estrangeira, o que ultrapassa o campo político e entra no âmbito penal. Esse tipo de aliança informal — especialmente quando ligada a operações de repressão em territórios pobres e majoritariamente negros — aprofunda a dependência externa e legitima uma política de extermínio travestida de “cooperação internacional”. Trata-se, portanto, de uma dupla violação: contra o povo fluminense, alvo da violência de Estado, e contra a soberania brasileira, ferida pela submissão de interesses internos a diretrizes e interesses estrangeiros.


O que ocorreu no Complexo da Penha e no Complexo do Alemão  não pode passar como mera falha operacional.  Trata-se de uma intervenção que matou pelo menos 64 pessoas em áreas predominantemente periféricas, com pessoas em situação de vulnerabilidade, reforçando um padrão de política de segurança construída sobre a matança e o terror dirigido especialmente aos corpos negros nas favelas.  O escopo da ação, a letalidade e o local indicam que os alvos não foram apenas criminosos isolados, mas uma comunidade inteira, e, portanto, os responsáveis pelo governo estadual precisam responder por uma política de extermínio que opera como instrumento de controle social e racial.


Exigimos:


1. Investigação independente, qualificada e transparente sobre todos os aspectos da operação, com apuração do descumprimento da ADPF 635, das normas constitucionais e dos protocolos operacionais.


2. Atendimento digno e reparação integral às vítimas, famílias e comunidades atingidas, reconhecendo os danos físicos, psicológicos, materiais e simbólicos.


3. Revisão urgente dos protocolos de ação policial em ambientes urbanos, com ênfase na legalidade, proporcionalidade, transparência e controle civil.


4. Compromisso dos poderes públicos — Executivo, Legislativo e Judiciário — com políticas de prevenção, educação, saúde, cultura e inclusão social, substituindo a lógica bélica por uma agenda de transformação estrutural.


5. Implementação de mecanismos efetivos de controle externo e civil da atividade policial, conforme as diretrizes constitucionais e os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.


A ABJD reafirma sua solidariedade às famílias das vítimas, aos policiais feridos e aos moradores das comunidades impactadas, e reitera seu compromisso com a defesa intransigente da democracia, da legalidade constitucional e do direito à vida.


Pena de morte e execuções sumárias não têm lugar na lei nem na democracia. O Estado que mata em nome da segurança abandona o Estado de Direito e se torna criminoso. Queremos segurança com direitos, não segurança pela bala.

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