A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) protocolou na manhã desta terça-feira, 06, uma reclamação disciplinar junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra o promotor de Justiça Danni Sales Silva e uma representação junto ao Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (GAESP/MPGO) contra a Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO), em razão de um episódio ocorrido no dia 24 de julho de 2024, no Residencial Premier Unique, em Goiânia, que gerou ampla repercussão pública e institucional.
As medidas adotadas pela ABJD visam apurar possível abuso de autoridade, usurpação de função pública, desvio de finalidade institucional e uso indevido de recursos públicos, diante de uma sequência de condutas flagrantemente incompatíveis com os deveres constitucionais dos agentes envolvidos.
O caso teve início quando o promotor Danni Sales, sem qualquer atribuição funcional formal ou respaldo jurídico, abordou e rendeu um jovem desarmado, no subsolo do edifício onde reside, transmitindo toda a cena ao vivo por suas redes sociais, inclusive na presença de seu filho menor. A suposta ocorrência policial não decorreu de flagrante delito, nem de ação coordenada com as autoridades competentes. Em vídeo amplamente divulgado, o próprio promotor declara que foi acionado informalmente por uma vizinha — “a Sandra liga no 190 não, liga pra mim” —, revelando uma postura de personalização da função pública e substituição indevida dos canais oficiais de segurança.
A ação, filmada e narrada em primeira pessoa, rapidamente ganhou contornos de espetáculo. Cerca de sete minutos após o início da transmissão, mais de vinte policiais militares, incluindo unidades da ROTAM — tropa de elite da PMGO —, chegaram ao local. A mobilização ostensiva e desproporcional do aparato policial, para atender a um episódio que envolvia um jovem civil desarmado, sem sinais de periculosidade, levantou sérias dúvidas sobre a legalidade, razoabilidade e finalidade pública da operação.
Na representação apresentada ao GAESP, a ABJD questiona a simbiose entre o promotor e o efetivo militar, evidenciada por agradecimentos nominais e declarações públicas como: “moçada, só pra mostrar pra vocês aí o que é precisão da Polícia Militar”, “em 7 minutos você tem botão comando, tem 12 atores de área”, e ainda “vieram ajudar o papai” — frase dita ao filho do promotor enquanto contava, com ele, o número de policiais presentes na cena.
Para a ABJD, a cena registrada — com viaturas cercando o jovem, câmeras em gravação, ordens autoritárias e exibição em redes sociais — não configura uma atuação institucional legítima, mas sim uma encenação punitiva voltada à autopromoção de um agente público. O release menciona a total ausência de flagrante, a inexistência de risco real à integridade do promotor ou de terceiros e a ausência de mandado ou requisição formal, como elementos que reforçam a tese de abuso de autoridade e uso simbólico do poder.
No documento encaminhado ao CNMP, a entidade afirma que a conduta de Danni Sales violou, os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa, além de expor um cidadão vulnerável à humilhação pública, sem qualquer respaldo legal. Durante a abordagem, o jovem — com visíveis sinais de sofrimento físico — afirma estar machucado, pede água e tenta se explicar, sendo interrompido de forma hostil com a frase: “pode calar a boca aí, tá?”, proferida pelo promotor.
Segundo a ABJD, o episódio rompe com os marcos da civilidade institucional e macula a credibilidade do Ministério Público como defensor dos direitos fundamentais. A entidade requer que o CNMP instaure procedimento disciplinar contra o promotor e que o GAESP apure a conduta da PMGO à luz do controle externo da atividade policial, com vistas à responsabilização de todos os envolvidos e à prevenção de novos episódios similares.
Ao final, a entidade destaca que “a integridade das instituições democráticas exige contenção rigorosa de excessos e compromisso intransigente com a legalidade. A cooptação de estruturas públicas para fins performáticos, ainda que com aparência de zelo, compromete o Estado de Direito e abre espaço para retrocessos autoritários”.