A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), fiel à sua missão de defesa intransigente do Estado Democrático de Direito e da ordem constitucional de 1988, manifesta sua profunda preocupação e repúdio à decisão monocrática do Ministro Gilmar Mendes determinando o sobrestamento de todos os processos trabalhistas que tratam do reconhecimento de vínculo de emprego em situações de pejotização.
A ABJD reconhece o papel fundamental do Supremo Tribunal Federal (STF), como guardião da democracia formal, da soberania do voto popular e dos direitos civis e políticos. Não é pouca coisa: a atuação do STF foi crucial para a contenção de retrocessos autoritários e para a preservação de garantias democráticas mínimas em momentos críticos da história recente do país.
Entretanto, é imperioso denunciar as grandes dificuldades que se instalam quando o STF, no âmbito do sistema público de proteção social, constrói decisões que esvaziam a força normativa da Constituição de 1988 e participam, contraditoriamente, até do processo de desconstrução desse sistema público de proteção social pela via da interpretação. E que, ao decidir de forma majoritária, em sede de repercussão geral e em reclamações constitucionais, vem priorizando a livre iniciativa sem condicioná-la ao valor social do trabalho, desconsiderando a centralidade da proteção social e da igualdade substantiva que a ordem constitucional brasileira inscreve, especialmente quanto aos temas da terceirização, da pejotização e do papel da Justiça do Trabalho, instituição criada justo para concretizar no mundo da vida a tela pública de proteção social duramente conquistada e, finalmente, constitucionalizada. Essa postura se choca com o valor social do trabalho, a cidadania e o dever estatal de promover a igualdade substantiva, como expressamente previsto no artigo 5º da Constituição.
A decisão de sobrestar os processos de pejotização — prática que mascara relações de emprego sob falsas roupagens contratuais para fraudar direitos trabalhistas — representa grave lesão ao sistema público de proteção social. Tal medida atinge diretamente milhares de trabalhadores e trabalhadoras que, na Justiça do Trabalho, buscam o reconhecimento de direitos fundamentais arduamente conquistados. O impacto é devastador não apenas para a classe trabalhadora, mas para a Previdência Social, o FGTS e as políticas públicas essenciais à construção de uma sociedade integrada e menos desigual.
Ainda, o sobrestamento imposto pelo Ministro Gilmar Mendes, ao retirar da Justiça do Trabalho sua competência constitucional de dizer o direito nos casos concretos de fraude laboral, viola frontalmente o artigo 9º da CLT, que declara nulos os atos destinados a fraudar a legislação trabalhista. Trata-se de ataque à própria estrutura do Estado Social e Democrático de Direito, pois, sob o pretexto de uniformizar a jurisprudência, o STF acaba por revogar, na prática, garantias constitucionais sem qualquer legitimidade para tanto.
Os dados recentes do Judiciário trabalhista demonstram a centralidade do tema: o reconhecimento de vínculo de emprego e a discussão sobre pejotização figuram entre os assuntos mais judicializados, afetando centenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras. O sobrestamento desses processos aprofunda as desigualdades sociais, fragmenta ainda mais o já assimétrico mercado de trabalho brasileiro e enfraquece a proteção social, abrindo perigoso precedente para a precarização generalizada das relações de trabalho, processo que atinge as organizações sindicais.
A ABJD conclama a sociedade civil, os movimentos sociais, as entidades de classe e todos os democratas a resistirem a esse processo de desmonte dos direitos sociais e trabalhistas. Não se pode aceitar que o STF, sob a justificativa de combater uma suposta insurreição da Justiça do Trabalho, transforme-se em órgão incompatível com o papel de garante da democracia que historicamente lhe cabe.
Lutemos para que a crônica da morte anunciada dos direitos sociais não se concretize. Em defesa da Constituição, da Justiça do Trabalho e da dignidade da classe trabalhadora, a ABJD se posiciona firmemente contra o sobrestamento dos processos de pejotização e reafirma seu compromisso com a luta por uma sociedade mais justa, igualitária e democrática.
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
16 de abril de 2025
Crédito da foto: Gustavo Moreno/STF