Nota da ABJD sobre os EUA e os imigrantes

26/03/2025

Nota da ABJD sobre os EUA e os imigrantes



NO CAMINHO, COM MAIAKÓVSKI

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

Eduardo Alves da Costa


A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA – ABJD, diante da aplicação de várias “Ordens Executivas” do Governo Trump II, nos EUA, que violam o Direito Internacional dos Direitos Humanos dos imigrantes de várias nacionalidades, vem se somar à comunidade internacional e às entidades, movimentos sociais, organizações da sociedade civil e instituições que estão em repúdio e mobilização contra o inédito e grave precedente político de caráter neofascista, considerando que os EUA decidiram aplicar de forma extraterritorial a Lei de 1798, Lei do Inimigo Estrangeiro, para sequestrar e deportar imigrantes, alegando que sua aplicação se tornou necessária para garantir a segurança interna dos EUA.

Trump invocou um pseudo “direito” de aplicar a lei, que já conta com 227 anos, e que foi promulgada para uso em tempos de guerra, não de paz; ainda, essa lei foi usada pelos EUA em apenas 3 circunstâncias excepcionais: I) durante o incêndio na Casa Branca pelas Tropas Britânicas em 1812, II) na Primeira Guerra Mundial, III) e durante a Segunda Guerra Mundial, contra cidadãos americanos de ascendência japonesa.

A aplicação dessa normativa não só viola leis fundamentais vigentes dos EUA, mas também coloca em vulnerabilidade todo o ordenamento jurídico internacional, sendo, inclusive, anterior à concepção moderna e universal dos Direitos Fundamentais e do Direito Internacional dos Direitos Humanos, da Carta das Nações Unidas, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias (adotada pela Resolução 45/158, de 18 de Dezembro de 1990, da Assembleia-Geral da ONU, em vigor desde 1 de Julho de 2003); da Declaração Dos Direitos Humanos dos Indivíduos Que Não São Nacionais do País Onde Vivem (adotada pela resolução 40/144 da ONU de 13 de dezembro de 1985), confirmando que tais violações se configuram como Delitos de Lesa Humanidade.

As violações estão sendo perpetradas sob a alegação de que “os migrantes atingidos são Inimigos Estrangeiros” e, por isso, resgataram a citada lei, que só foi usada anteriormente em tempo de guerra, porém agora está sendo utilizada em tempos de paz, para, de forma ilegal, sequestrar e deportar imigrantes residentes nos EUA, sem seguir o devido processo legal do direito interno dos próprios EUA, sem acusações formais e sem garantia da ampla defesa e do contraditório, bem como sem a realização de audiência de custódia e violando a possibilidade de um julgamento justo

A ação do Governo dos EUA, diante dos fatos aqui apontados, pode ser enquadrada como sequestro e tráfico de seres humanos, já que vem sequestrando, expropriando bens, deportando e aprisionando imigrantes sem o devido processo legal, em cárceres localizados em Cuba-Guantánamo e em El Salvador, para lá fazerem trabalhos forçados, como mão de obra escrava a serviço de empresas credenciadas.

Na prisão de El Salvador, há o agravante pela existência de uma cooperação entre o Governo Donald Trump dos EUA e o de Nayib Bukele de El Salvador, e, segundo a Associated Press, El Salvador teria concordado em abrigar cerca de 300 migrantes em suas prisões por um ano a um custo de US$ 6 milhões de dólares.

Nos EUA, está em curso um violento processo de criminalização generalizada de imigrantes de diferentes nacionalidades, como política do Governo Trump II; porém, o caso dos 238 Venezuelanos e 35 Mexicanos entre outros se apresenta como emblemático, porque abre um precedente muito perigoso, pois foi precedido pela criação de um arcabouço jurídico suspeito e frágil, começando por declarar que todos os acusados pertencem a uma facção criminosa da Venezuela, mas que, na verdade, já foi extinta, combatida e desmantelada pelas próprias forças de segurança venezuelanas, que se denominava "Trem de Aragua". Os EUA a caracterizaram como uma organização terrorista transnacional com conexões e financiamento do Governo Venezuelano. Apesar de ter havido várias solicitações aos EUA, nunca forneceram provas da sua existência nem da ligação dos venezuelanos sequestrados, ou mesmo que seus integrantes estivessem invadindo os EUA a serviço do Governo Venezuelano.

A operação do sequestro e transferência para prisão de El Salvador de 238 Venezuelanos e 35 Mexicanos sob a alegação de pertencerem à citada organização criminosa, já há muito tempo extinta, viola frontalmente o Sistema Internacional de garantias de Direitos Humanos, pois houve a transgressão pelos EUA dos fundamentos e princípios mais elementares do direito internacional dos Direitos Humanos, ocorrido entre os dias 14 a 16 de março/2025.

As “Ordens Executivas” do Governo Trump, e sua compulsória, ilegal e unilateral extraterritorialidade, abrem um processo de criminalização do “migrante” de várias nacionalidades do continente americano, independentemente de causas sociais, econômicas e políticas, que forçam um indivíduo a se deslocar de um território para outro. E tal fato I) ocorreu contrariando decisões judiciais liminares do Juiz Federal James Boasberg dos EUA; II) ignorou a vontade do Governo Venezuelano de N. Maduro, em receber os seus compatriotas acusados, que colocou aviões à disposição para lhes buscar onde estivessem; III) e da ausência de qualquer comunicação, apelo, e negociação diplomática entre os Estados envolvidos.

A Operação de deportação, sequestro e translado para a prisão de segurança máxima de El Salvador constitui uma novíssima operação de tráfico de pessoas, em explícita violação da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU, que protege as pessoas de torturas e outros tratamentos cruéis, adotada em 10 de dezembro de 1984, Dia dos Direitos Humanos.

O fato da Operação envolver interesses econômicos e pecuniários das partes se apresenta ainda mais grave por ser ilegal, basear-se em evidências frágeis e violar dispositivos protetivos internacionais a que ambos os países envolvidos são signatários. Constitui-se um ataque contra a América Latina e o Caribe, pois estabelece um precedente perigoso, e materializa uma ameaça de perigo que pode ser aplicada indiscriminadamente contra qualquer outro povo em nossa região.

Por fim, afirmamos que as ações do Governo Trump II não têm precedentes na história recente do processo civilizatório em época de paz, e configuram um ataque a toda a humanidade, o que insta todos os Estados, organizações internacionais e defensores dos direitos humanos a rejeitarem e repudiarem essas graves violações e a levantarem suas vozes na defesa da dignidade, justiça e do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Brasil, 25/03/2025

Nota da ABJD sobre os EUA e os imigrantes

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