Coalizão em Defesa da Democracia é contra a indicação de Paulo Gonet à PGR

21/11/2023

Coalizão em Defesa da Democracia é contra a indicação de Paulo Gonet à PGR



Veja abaixo a íntegra da manifestação ao presidente da República:



EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, SR. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA 

As entidades integrantes da COALIZÃO EM DEFESA DA DEMOCRACIA, a seguir identificadas: 

 

Associação Juízes e Juízas para a Democracia – AJD; Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD; Associação das Defensoras e Defensores Públicos pela Democracia; Central Única dos Trabalhadores –CUTColetivo por um Ministério Público Transformador – Transforma MP; Comissão Justiça e Paz de Brasília - CJP-DF; Comissão Pastoral da Terra – CPT; Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito; Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais e Agricultores e Agricultoras Familiares – CONTAG e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST; 
 

Nesta oportunidade representadas pelas entidades: 

 

ASSOCIAÇÃO DE JUÍZES E JUÍZAS PARA A DEMOCRACIA – AJD
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA – ABJD

COLETIVO POR UM MINISTÉRIO PÚBLICO TRANSFORMADOR - TRANSFORMA MP

COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ DE BRASÍLIA – CJP/DF



As entidades acima indicadas, informadas sobre a real possibilidade que a pessoa a ser indicada por V. Exa. para o cargo de Procurador-Geral da República seja o Subprocurador da República Paulo Gonet, vêm à presença de V. Exa. manifestar sua profunda preocupação com a possível indicação, pelos fatos e fundamentos que seguem expostos. 
 

  1. A Coalizão em Defesa da Democracia compreende que o Brasil ainda atravessa período de risco concreto à democracia. Não estamos totalmente livres de possibilidades de golpes de Estado. As cicatrizes do passado recente, com o Golpe contra a Presidente Dilma em 2016; a Operação Lava-Jato que resultou na prisão de V. Exa. por mais de 500 dias, além de tirá-lo das eleições de 2018; o governo de Bolsonaro, cujas profundas marcas de destruição do Estado e das políticas públicas voltadas à população vulnerabilizada ainda estão por ser reconstruídas em sua totalidade; os trágicos eventos de 08 de janeiro, cujos mandantes e financiadores ainda não tiveram sua responsabilidade civil e penal declaradas, enfim, tudo isso, somado às correntes ultraconservadoras de direita que inviabilizam, no Congresso Nacional, a concretização do projeto político vencedor nas eleições de 2022, perfazem uma conjuntura que causa consternação a todas as pessoas que lutam e aspiram por um projeto de País que contemple a democracia material e a superação das desigualdades. 
     
  1. Nessa conjuntura ainda instável e perturbadora, o papel do Procurador-Geral da República cresce em importância, diante da necessidade de que o Estado brasileiro - e não apenas o Governo Federal - mostre de forma induvidosa que ainda não desistiu da democracia. Ainda que o Ministério Público seja estruturado sobre os princípios da autonomia e independência de atuação, há um feixe de decisões que incumbem exclusivamente ao Procurador-Geral da República, o que dá o tom de sua participação na cena institucional do País. 
     
  1. Recentemente assistimos os efeitos deletérios para a democracia da atuação omissa e deficitária do Procurador-Geral Augusto Aras, seja na defesa das instituições democráticas decorrentes dos ataques sofridos pelo ultraconservadorismo de direita, seja na defesa do sistema eleitoral diante dos ataques à confiabilidade e credibilidade das urnas eletrônicas, seja na responsabilização do ex-Presidente da República pela condução da política sanitária federal na pandemia da Covid-19. As omissões de Augusto Aras foram um dos fatores preponderantes para o processo de fragilização a que foi exposta a democracia brasileira, que redundou, inclusive, nos eventos de 08 de janeiro de 2023. 
     
  1. Portanto, mais do que nunca, é necessário que o indicado ou indicada para o cargo de Procurador-Geral da República tenha um sólido histórico de defesa dos direitos humanos, de atuação efetiva na defesa da democracia e atividade coerentemente orientada pelo projeto constitucional ao longo de sua trajetória profissional. 
     
  1. Infelizmente, o histórico do Subprocurador Paulo Gonet não transmite essa mensagem. Vejamos. 
     
  1. Durante os anos 90, em que participou de julgamentos na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, como representante do Ministério Público Federal, votou contra o reconhecimento da responsabilidade do Estado em casos de grande repercussão. Um desses casos foi o da estilista Zuzu Angel, morta em um atentado na Zona Sul do Rio em 1976, após enfrentar a ditadura e denunciar corajosamente a ditadura cívico-militar brasileira no Brasil e no exterior como responsável pela tortura e morte de seu filho Stuart Angel. Gonet também proferiu votos contrários à responsabilidade do Estado nos casos do estudante secundarista Edson Luís, assassinado em 1968, de Carlos Marighella e Carlos Lamarca, mortos em 1969 e 1971, respectivamente. Em todos esses casos, Paulo Gonet foi vencido. 
     
  1. Sr. Presidente! Somente esses fatos já deveriam ser suficientes para excluir o Subprocurador Paulo Gonet da lista de candidatos à PGR. Em 1990 o Brasil já havia saído da ditadura e não havia nada que o obrigasse a assumir posições tão flagrantemente contrárias à verdade dos fatos históricos e à defesa dos direitos humanos e da democracia. Votou de forma contrária a esses valores por livre e espontânea vontade, ou seja, por convicção. Uma pessoa com essas convicções, não apresenta credenciais para a defesa intransigente da democracia que os tempos atuais estão a exigir dos agentes públicos e, com muito maior rigor, de ocupantes de cargos tão importantes e estratégicos como a Procuradoria Geral da República. 
     
  1. Mas há mais. 
     
  1. Durante sua atuação como Procurador Geral Eleitoral no período eleitoral, o Subprocurador Paulo Gonet omitiu-se, ao longo dos 70 dias de campanha, sobre o uso de desinformação contra o processo eleitoral e a exploração da máquina pública. Cabe destacar que uma resolução de dezembro de 2021 do TSE estabeleceu que “a requerimento do Ministério Público” caberia determinar a cessação da “divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive o processo de votação, apuração e totalização de votos”. Ora, é sabido que o processo eleitoral, a instituição Justiça Eleitoral e o sistema de urnas eletrônicas sofreram o maior ataque de sua história por apoiadores da candidatura do ex-Presidente Jair Bolsonaro, dentro e fora do governo. No entanto, nos mais de dez meses em que esse dispositivo esteve em vigor, a única iniciativa do Ministério Público Eleitoral referiu-se ao evento de exposição de informações falsas sobre as urnas eletrônicas para embaixadores em Brasília, no mês de julho. 
     
  1. Atualmente, o Subprocurador Paulo Gonet, no exercício da Procuradoria Geral Eleitoral, continua manifestando posições dúbias em relação à responsabilidade do ex-Presidente Jair Bolsonaro ao longo do processo eleitoral. Em uma de suas manifestações mais recentes, em 03/10/2023, posicionou-se contrariamente à prática de crime eleitoral e inelegibilidade de Jair Bolsonaro pela realização de diversas "lives" nas dependências do Palácio da Alvorada em que pedia votos no contexto da disputa eleitoral. 
     
  1. Há informações, ainda, de que em agosto de 2019, quando o ex-Presidente Bolsonaro avaliava nomes para chefiar a PGR, Gonet foi ao Palácio do Planalto, levado pela deputada ultraconservadora Bia Kicis (PL-DF). Em seu twitter a Deputada Bia Kicis expressa: “Paulo Gonet é conservador raiz, cristão, sua atuação no STF nos processos da lava jato foi impecável. Ele não tem capivara. E o fato de ter sido sócio de Gilmar Mendes no IDP em nada interferiu em sua atuação profissional.” 
     
  1. O problema de um ultraconservador na PGR ocorre quando religião e direito misturam-se, perturbando a aplicação do princípio da laicidade do Estado. O ultraconservadorismo de direita fundamenta-se exatamente nessa confusão entre valores religiosos e aplicação do direito. Essa corrente política e ideológica tem se alastrado pelo mundo, trazendo consigo a defesa de um conceito de liberdade avesso à emancipação das camadas mais empobrecidas da população por ação do Estado, a destruição do sistema público de defesa do trabalho e da proteção do trabalhador, a defesa da neutralidade do Estado no combate ao racismo e a outras formas de discriminação, além de um conceito distorcido de liberdade de expressão que inclui a possibilidade de praticar crimes de ódio e espalhar a desinformação, com todos os efeitos deletérios à democracia que temos vivenciado na última década. 
     
  1. Uma pessoa identificada com o projeto ultraconservador na Procuradoria Geral da República significa abdicar de um dos instrumentos mais potentes para concretizar o projeto político consagrado nas eleições de 2022, com a inclusão dos “pobres no orçamento” e a superação das injustiças que se abatem sobre as pessoas representativas dos grupos vulnerabilizados (indígenas, pessoas pretas, pessoas com incapacidade) que subiram a rampa junto com o Sr., Presidente Lula, na esperança de um governo emancipador e comprometido com a justiça social. 
     
  1. Desde o golpe de 2016, as instituições que compõem atualmente a Coalizão pela Democracia centraram esforços para garantir que o sistema de justiça não seguisse sendo fonte de perseguição política - ou lawfare -, que tanto atingiu a Vossa Excelência e à ex-presidenta Dilma Rousseff. As entidades aqui representadas se associaram ao projeto de reconstrução democrática densificado pela frente ampla que esse governo construiu. A eventual nomeação de um Procurador-Geral da República que historicamente se associou a ideais antagônicos aos valores mais progressistas necessários para transformar o sistema de justiça brasileiro - ainda que paulatinamente - em um dos pilares do Estado Democrático de Direito comprometido com a justiça social, certamente representará um duro golpe na mobilização política dessas instituições. A escolha do PGR por Vossa Excelência é, sem dúvida, um evento repleto de significados que tem o potencial de fortalecer nossas entidades e seus membros na atividade de construção de um modelo de justiça que convirja com a pauta de valores defendida por Vossa Excelência e as forças que sempre estiveram, sem subterfúgios, ao lado da democracia. 
     
  1. Por essas razões, expostas sinteticamente, as entidades integrantes da Coalizão em Defesa da Democracia, respeitosamente, solicitam a Vossa Excelência a oportunidade de uma audiência prévia à definição da escolha do próximo Procurador-Geral da República, para reafirmar o compromisso com os valores expressos no projeto político vencedor nas eleições de 2022, especialmente de retomada democrática e de promoção da justiça social. 
     

Brasília, 19 de novembro de 2023.
 

Associação Juízes e Juízas para a Democracia – AJD 

Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD 

Associação das Defensoras e Defensores Públicos pela Democracia 

Central Única dos Trabalhadores – CUT 

Coletivo por um Ministério Público Transformador - Transforma MP 

Comissão Justiça e Paz de Brasília - CJP-DF 

Comissão Pastoral da Terra – CPT 

Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito 

Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais e Agricultores e 

Agricultoras Familiares – CONTAG 

Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra - MST 

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