A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, ABJD, assinou a carta aberta endereçada ao Congresso Nacional em defesa da Caatinga, a floresta do semiárido brasileiro. O documento assinada por diversas entidades brasileiras, defende que "O Brasil deve adotar políticas e programas que garantam a proteção da Caatinga e promovam o seu uso sustentável, para cumprir os compromissos internacionais assumidos. Essas ações contribuirão para mitigar as mudanças climáticas, preservarão a biodiversidade, garantirão a segurança hídrica e melhorarão a qualidade de vida das comunidades que dependem desse ecossistema".
Ao Congresso Nacional Brasileiro, Poder Executivo e Instituições da Sociedade Civil
Esta Carta Aberta possui propósito múltiplo: uma declaração, um devir, uma denúncia, uma diretriz e um pleito
Declaramos a Caatinga símbolo da singularidade do território, da história e do povo brasileiro.
Bioma exclusivo e integralmente contido no território brasileiro, formado há cerca de dez mil anos, ocupa quase 850mil km2, ou seja 11% do território nacional. Sua ocupação humana começou nos últimos dois mil anos, com a migração dos Tupis da Amazônia. Hoje é lar de quase 30 milhões de brasileiros, sendo 1,5 milhão de famílias de pequenos agricultores. É fonte de água, alimento, produção, energia, cultura, ciência e tecnologia. Região semiárida com a maior biodiversidade do mundo, abriga 178 espécies de mamíferos, 591 de aves, 177 de répteis, 79 espécies de anfíbios, 241 de peixes e 221 de abelhas; 15% desta biodiversidade é da caatinga. É singularidade brasileira às feições do planeta.
O Devir do semiárido ameaça com sua irreversível desertificação e o desaparecimento da Caatinga.
Duas décadas após o reconhecimento da ameaça de desertificação da Caatinga como questão nacional, concretizada por meio da instituição do Dia Nacional da Caatinga, muito pouco foi realizado em termos de recuperação e preservação do bioma. Permanece sendo degradado pela ação humana, decorrente da histórica concentração de renda, extrema pobreza e desigualdade socioeconômica regional, na forma de milhares de queimadas que destroem a flora e a fauna, e em extrativismo destrutivo e insustentável desperdiçado em seu potencial econômico como fonte de conhecimento e geração de riqueza. Com aproximadamente 50% da área desmatada, a crise climática global coloca a Caatinga como território de fortes tendências de desertificação irreversível, que já alcança 13% de sua área. Apenas 11% do bioma se encontra sob proteção legal em três parques nacionais: o Monumento Natural do Rio São Francisco, com 27 mil hectares, nos estados de Alagoas, Bahia e Sergipe, o Parque Nacional das Confusões, no Piauí, com 824 mil hectares e recentemente o Parque Nacional da Serra do Teixeira, na Paraíba, com 61 mil hectares.
Uma década após a “Declaração da Caatinga”, lançada na “1ª Conferência Regional de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Caatinga: A?Caatinga?na Conferência Rio+20”, pouco ou quase nada se avançou na direção das 56 ações técnicas e políticas destinadas à preservação, recuperação e uso sustentável do bioma, propostas como medidas imprescindíveis para reverter ou atenuar o somatório nefasto dos efeitos da degradação ambiental.
Denunciamos a inépcia, a desídia e a ação de interesses econômicos escusos impedindo a aprovação da PEC 504/2010, pelo Congresso Nacional.
Desde 1995, Câmara e Senado Federal elaboraram duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que incluem a Caatinga como Patrimônio Nacional. A primeira PEC (150/95) foi aprovada pela Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania e levada à pauta para votação em 1º turno pelos deputados federais por 30 vezes. Contudo, em 2023 foi arquivada sem ser votada pela Câmara. A segunda PEC (504/2010) foi aprovada em 2010 pelo Senado Federal. Ela inclui na Constituição a Caatinga (e o Cerrado) como Patrimônios Nacionais. Esta PEC não poderá ser arquivada por encerramento da legislatura. A PEC 504/2010 foi incluída na pauta 62 vezes para votação na Câmara dos Deputados, mas permanece não sendo votada. A inépcia e a desídia parlamentar apenas encontram substitutos como justificativa para a interminável sequência de sessões sem aprovação, se admitirmos a existência e atuação política de poderosos e escusos interesses econômicos contrários à proteção dos biomas.
No âmbito do Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu com a proteção da Caatinga, com a adoção de medidas para mitigar as mudanças climáticas e a adaptar-se a seus impactos. A proteção da Caatinga é um desafio crucial para o Brasil. Cumprir os compromissos climáticos é uma responsabilidade compartilhada. A cooperação entre governos, parlamento, comunidade científica, organizações da sociedade civil, comunidades locais e o sistema produtivo é essencial para garantir um futuro sustentável para a Caatinga e para o planeta como um todo.
A Caatinga como Diretriz de Desenvolvimento Sustentável
A recuperação, preservação e gestão ambiental do bioma Caatinga são necessidades imperiosas para o futuro do desenvolvimento sustentável da Região Nordeste e do país. Os seus múltiplos papéis e potencialidades na superação da pobreza, da desigualdade e do subdesenvolvimento regional ainda estão por ser plenamente realizados. A Caatinga destaca-se por: (i) seu papel como defesa natural contra os efeitos das mudanças climáticas, (ii) seu potencial como fonte de conhecimentos para redes de universidades, de geração de energia limpa e renovável e novas tecnologias sociais e produtivas adaptadas a condições adversas, (iii) sua utilização como enraizamento de vantagens competitivas para a produção ecológica de produtos naturais, (iv) seu inestimável valor histórico e cultural para a população nordestina, especialmente a sertaneja e (v) a importância e necessária regionalização da nova industrialização nacional.
No território da Caatinga o país vivenciou as maiores transformações de sua história recente, quais sejam: (i) uma nova rede urbana de cidades médias cuja dinâmica se ergueu pela simbiose entre novos campi universitários, incubando uma revolução no ensino superior e redes de pesquisa; (ii) a educação básica caminhando para erradicar o analfabetismo entre os jovens, (iii) o alargamento do SUS e do Complexo Industrial da Saúde,(iv) a aposentadoria rural e políticas sociais (v) o emprego formal, (vi) a valorização do salário mínimo e (vii) a ampliação da infraestrutura urbana e redes de transporte e de comunicação, e (viii) a formação de redes de arranjos produtivos locais. Todas estas transformações abriram novas oportunidades e perspectivas para o semiárido nordestino. A Caatinga é o bioma estratégico para sua continuidade.
O Brasil deve adotar políticas e programas que garantam a proteção da Caatinga e promovam o seu uso sustentável, para cumprir os compromissos internacionais assumidos. Essas ações contribuirão para mitigar as mudanças climáticas, preservarão a biodiversidade, garantirão a segurança hídrica e melhorarão a qualidade de vida das comunidades que dependem desse ecossistema.
Pleiteamos a imediata aprovação da PEC 504/10 pela Câmara dos Deputados
Considerando estes e outros aspectos envolvendo o Bioma Caatinga, o I Seminário Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Caatinga, por meio de seus idealizadores, organizadores e patrocinadores, vem pleitear das bancadas parlamentares na Câmara dos Deputados, especialmente da bancada nordestina, a imediata aprovação da nova redação ao § 4º do Artigo 225 da Constituição Federal, proposta pela PEC 504/10 nos seguintes termos:
“A Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense, o Cerrado, a Caatinga e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida da população.”
SALVE A CAATINGA: BEM E PATRIMÔNIO NACIONAL