Papo Democrático

18/05/2023

Papo Democrático


Nesta edição do Informativo Juristas pela Democracia, inauguramos a coluna Papo democrático. Um espaço que será ocupado por personalidades do campo democrático com o debate de pautas importantes para a compreensão e a análise do complexo momento histórico-político atual. 

Nesta primeira circular, o bate um papo foi com Tânia Oliveira, associada da ABJD e secretária-executiva adjunta da Secretaria-Geral da Presidência da República. Confira a entrevista:  

ABJD: Antes de ser nomeada para a Secretaria-Executiva da Secretaria-Geral da Presidência da República você integrou a equipe de transição do Governo Lula. Em matéria de estrutura e de organização, o que você pode relatar sobre a herança deixada pelo governo Jair Bolsonaro? Na sua avaliação que áreas atualmente carecem de maior atenção e investimento? 

Tânia Oliveira: O governo Bolsonaro promoveu uma destruição do Estado brasileiro, o corte de políticas públicas fundamentais, como de investimento em pesquisa, ciência e educação, desmonte de órgãos ambientais de fiscalização, de estruturas de participação social, promoveu negacionismo na saúde. São muitas áreas que precisam ser remontadas. A cultura, por exemplo, carece de muita atenção depois do apagão que vivenciou no governo Bolsonaro. 

O processo de transição nos mostrou que a herança é péssima e exige muita dedicação e competência para sua reestrutura de forma a tornar o Estado novamente eficaz e capaz de uma política pública que diminua as desigualdades. 

  

ABJD: Em que medida a Secretaria-Geral da Presidência da República está contribuindo e ainda vai contribuir para o desenvolvimento do país e especialmente em que áreas? 

T.O: É papel da Secretaria-Geral da Presidência da República coordenar e articular as relações políticas do Governo federal com os diferentes segmentos da sociedade civil e da juventude. Criar, implementar, articular e monitorar instrumentos de consulta e participação popular nos órgãos governamentais de interesse do Poder Executivo federal. Fomentar e estabelecer diretrizes e orientações à gestão de parcerias e relações governamentais com organizações da sociedade civil. 

Muito significante que haja a elaboração e a implementação de políticas públicas em colaboração e diálogo com a sociedade civil, em processos educativo-formativos, em conjunto com os movimentos sociais, no âmbito das políticas públicas do Poder Executivo federal, fortalecendo e articulando os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil. 

Um governo democrático é, antes de tudo, participativo, inclusive no debate do orçamento. O orçamento participativo, conduzido pela Seretaria-Geral chama a sociedade a opinar e influenciar onde o governo deve aplicar o orçamento público, onde investir e no que investir.  

 

ABJD: Como fazer para institucionalizar as pautas de Direitos Humanos, consolidando-as como política de Estado e não só os programas de governos? 

T.O: O que garante que as pautas sejam política de Estado e não só programas de governo é a correlação de forças. O que precisamos é fortalecer os instrumentos de participação social e a relação do governo com a sociedade para que essa dê sustentação às políticas públicas.  

Dois grandes exemplos de colegiados que resistiram à devastação e destruição do governo Bolsonaro foram o Conselho Nacional de Saúde, que foi fundamental para o debate das políticas públicas de saúde durante a pandemia de Covid-19, contra o negacionismo e em defesa do SUS. O outro foi o Conselho Nacional de Direitos Humanos. 
 
A institucionalidade é apenas um aspecto das políticas. Seja por lei, por decreto a existência de um programa, o que importa é como ele é abraçado e empoderado pela sociedade. O Bolsa Família é outro exemplo de como um governo que era totalmente contrário a ele foi obrigado a mantê-lo, modificando o nome e se apropriando do modelo do programa de inclusão social. 

 

ABJD: O que você acha da estrutura política de comunicação do governo federal? Entende que ela está à altura das necessidades de enfrentamento dos embates propostos especialmente pela extrema-direita brasileira e mundial? 

T.O: A estrutura de Comunicação não se difere dos demais setores. Foi aparelhada para servir a um projeto de extrema-direita que não levava em conta o país, usada para propagar mentiras e distorções da realidade. 

O Ministério das Comunicações é responsável pela definição da política de comunicação que organiza o setor, enquanto a Secretaria de Comunicação (Secom) do governo possui status ministerial e tem a responsabilidade de desenvolver a comunicação governamental. A partir da transição e tendo em vista o contexto político, novas instâncias e ações foram propostas para a secretaria, com vistas à disputa de narrativas nas redes sociais. Caberá à Secom também propor políticas para o ambiente digital, como enfrentamento à desinformação. Tais iniciativas ainda estão sendo organizadas. 

Também buscando atuar no combate à desinformação, a Advocacia-Geral da União criou, no segundo dia de governo, a Procuradoria Nacional de Defesa da democracia. O órgão objetiva defender a democracia e combater a desinformação usada como arma política contra os atos públicos. 

O governo quer ajudar na melhoria do texto do Projeto de Lei das Fake News (PL 2630), que está na Câmara dos Deputados para frear a disseminação de conteúdos falsos. Mas essa é apenas a solução de curto prazo para que no futuro seja elaborado um projeto pelo governo para regulamentar as redes sociais com a participação da sociedade civil. 

Acredito que a comunicação do governo está se preparando para enfrentar o grande desafio dos embates. Tarefa nada simples, mas primordial. 

 ABJD: Tendo em vista a urgência de se repensar uma estratégia contra hegemônica para derrotar o fascismo, quais iniciativas estão sendo empreendidas para mobilizar e articular os movimentos sociais, os partidos de esquerda e a intelectualidade crítica? E qual o papel da Cultura neste processo? 

T.O: Só é possível derrotar o fascismo fazendo educação popular, discutindo na base da sociedade, criando espaços e condições para que a sociedade participe da construção das políticas públicas. É preciso remontar as estruturas que foram destruídas, as conferências, os conselhos, as mesas de diálogos e reproduzir essas estruturas nos territórios. Em todas essas iniciativas é fundamental a participação das entidades e movimentos sociais organizados, onde se incluem partidos políticos com característica popular e formadores de opinião. 

A cultura é parte nevrálgica dessa construção. Existem espaços que só a cultura penetra, com suas diversas formas de manifestação. 

Lembrando que a cultura foi considerada inimiga no governo Bolsonaro. O esvaziamento da Secretaria, com diversas trocas de secretários especiais e fim do Ministério, desde 2019, sem que tenha havido qualquer investimento em projetos relevantes. 

  

ABJD: Na condição de integrante do atual governo e como associada da ABJD, em que áreas e em que medida você entende que a associação pode contribuir para que se atinjam os objetivos que ambos possuem em comum? 

T.O: O sistema de justiça é parte fundamental da disputa de hegemonia na sociedade. Temos um sistema de justiça que é arcaico, masculino, branco, heteronormativo e elitista. Nem de longe representa a diversidade da sociedade brasileira. 

As decisões que emanam dos juízes e tribunais, bem como os pareceres e representações do Ministério Público são, portanto, mera consequência dessa formação, uma reprodução do pensamento cultural dos atores que ocupam – em expressiva maioria- os cargos, formados, ainda, nas faculdades de Direito, com seus currículos que refletem uma concepção de mundo de busca pela ocupação de um cargo de elite pelo poder. 

Entidades como a ABJD possuem uma grande tarefa de influenciar o governo a estimular a modificação dos currículos dos cursos de Direito com vistas a criar mentes mais críticas, a estabelecer critérios de inclusão, diversidade, formação e militância em Direitos Humanos na ocupação de cargos do sistema, a criar mecanismos de fiscalização e monitoramento da atuação dos agentes públicos do sistema de justiça, com vistas a evitar seu uso desviante, a criar formas de fortalecimento dos órgãos de controle, com alteração de composição, sempre privilegiando uma maior participação da sociedade como forma de evitar o corporativismo tão característico. 

A reformulação dos órgãos do Sistema de justiça é uma necessidade da Democracia. É preciso fazê-lo com responsabilidade.   

ABJD: De maneira geral, qual a sua avaliação dos cem primeiros dias de governo Lula? 

T.O: Em 100 dias o governo já fez muito. Foram 250 ações e seria exaustivo e longo citar todas.  

Para ficar apenas na área social e de educação, o Bolsa Família retornou com valor mínimo de R$ 600 assegurado e com um adicional de R$ 150 para cada criança de 0 a 6 anos na composição familiar. Houve o reajuste médio de 36,4% nos repasses dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A Saúde voltou a ser vista como protagonista. Foi criado o Programa Nacional de Redução das Filas de Cirurgias Eletivas, Exames Complementares e Consultas Especializadas e a retomada do Mais Médicos, além do Movimento Nacional pela Vacinação foi retomado com uma grande campanha para ampliar as coberturas de todas as vacinas disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).  

O Minha Casa, Minha Vida retornou para encarar a questão do déficit habitacional e restabelecer a Faixa 1, de imóveis subsidiados para pessoas em situação de vulnerabilidade.  

O Governo Federal reajustou em até 200% as bolsas de estudo, pesquisa e formação de professores e estudantes, incluindo graduação, pós-graduação, iniciação científica e a Bolsa Permanência. O piso salarial de professores da educação básica foi reajustado em quase 15%, com vencimentos passando de R$ 3.845,63 para R$ 4.420,55.  

As viagens internacionais e a assinatura dos acordos bilaterais com outras nações em vários temas dão conta de como o Brasil vem recuperando seu prestígio e protagonismo no cenário internacional. Também um esforço desses primeiros meses de governo. 

É óbvio que o governo precisa de ajustes e que nem todos os objetivos foram cumpridos. Há muito o que fazer. 

Papo Democrático

Escolha a ABJD mais próxima de você

TO BA SE PE AL RN CE PI MA AP PA RR AM AC RO MT MS GO PR SC RS SP MG RJ ES DF PB