28/05/2018
CARTA DO RIO DE JANEIRO
Em defesa dos direitos e da democracia
As advogadas/os públicos e privados,
magistradas/dos, promotoras/es, defensoras/es, procuradoras/es, professoras/es,
delegadas/os, bacharéis e estudantes de direito, reunidos na cidade do Rio De
Janeiro, nos dias 24 a 26 de maio de 2018, para fundação da ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA – ABJD, após três dias de intensos
debates, vêm a público externar sua preocupação com o aumento dos ataques ao
Estado Democrático de Direito inaugurado pela Constituição de 1988.
Mais do que um período de mudanças, o
Brasil vive uma mudança de período.
O golpe de 2016, que impediu o exercício
do mandato pela presidenta democraticamente eleita por mais de 54 milhões de
brasileiras e brasileiros, representou o fim da Nova República. A agenda neoliberal,
que vem sendo implantada pelo governo ilegítimo de Michel Temer e seus aliados,
ataca direitos historicamente conquistados pelas classes trabalhadoras, afronta
o pacto social erigido em 1988 e viola direitos fundamentais por meio de
medidas típicas de Estado de Exceção. Essa agenda tem um evidente caráter
antinacional, antipopular e antidemocrático.
O governo ilegítimo quer reescrever a
Constituição brasileira para retirar a efetividade dos direitos sociais
fundamentais. A Emenda Constitucional nº 95, que instituiu o teto dos gastos
públicos, inviabiliza o investimento público e o financiamento das políticas
sociais, notadamente as de educação, saúde, segurança, campesinas e assistência
social. A reforma trabalhista procura impor uma nova lógica na relação
capital-trabalho, traindo o pacto constitucional de valorização do trabalho
humano, impondo perspectiva exclusiva de lógica mercantilista/econômica sobre
os direitos fundamentais do trabalho, uma vez que retira direitos e precariza
as relações de trabalho, em especial o das mulheres e jovens.
As políticas desnacionalizantes de
privatizações de empresas estatais, com destaque para a Petrobras e Eletrobras,
aliadas ao esvaziamento dos bancos públicos e à destruição dos instrumentos de
regulação e indução de políticas econômicas, inviabilizam um projeto de
desenvolvimento nacional, que promova a distribuição da renda
A doutrina da austeridade fiscal,
amplamente apoiada pela mídia oligopolizada, beneficia os bancos e os
rentistas, em detrimento das amplas parcelas da população, cuja sobrevivência
depende de uma efetiva atuação do Poder Público. É preciso resgatar o papel do
Estado como promotor do crescimento e do desenvolvimento sustentável, de sorte a
gerar emprego e renda e a construir uma ordem econômica fundada na valorização
do trabalho e na dignidade humana, conforme os ditames da justiça social.
O golpe de 2016 potencializou a agenda
conservadora e estimulou o ódio e a emergência de setores de viés nitidamente
fascistas, defensores da intervenção militar e do retrocesso na pauta dos
direitos civis. Propostas como a “escola sem partido”, que buscam amordaçar as
educadoras e educadores, a criminalização dos movimentos sociais, o extermínio
da juventude negra (vide intervenção militar no Rio de Janeiro), o aumento do
machismo e da LGBTfobia, e os ataques legislativos aos direitos dos povos
tradicionais são sinais da escalada autoritária vivida pelo Brasil.
A ABJD reafirma seu compromisso com o
projeto civilizatório de nação inscrito na Carta Magna de 1988, fundado na
dignidade da pessoa humana e na cidadania, e que tem como objetivo a construção
de uma sociedade justa e solidária, sem desigualdade sociais e regionais e sem
discriminação de origem, raça, cor, gênero, orientação sexual e identidade de
gênero. Um Brasil que não se submeta aos interesses das grandes potências
mundiais nem a aventureiros fascistas e amantes
de regimes autoritários, mas que promova uma inserção soberana altiva e
ativa, respeitadora da autodeterminação dos povos e da prevalência dos direitos
humanos e da democracia.
Importantes setores do Poder Judiciário e
do sistema de justiça contribuíram para a consolidação da ruptura
constitucional em 2016 e têm sido decisivos no esvaziamento programático da
Constituição. A suspensão de garantias fundamentais básicas de cidadãs e
cidadãos nos julgamentos das ações penais, como o devido processo legal, revela
a face mais perversa de um Estado de Exceção que, aos poucos, expulsa o Estado
Democrático de Direito. A prisão sem provas do ex-Presidente Lula, orientada
unicamente pelo desejo de exclui-lo das urnas em 2018, é a dimensão mais
visível disso. Não é demais afirmar que setores do Judiciário e do sistema de
justiça são aliados de classe do bloco histórico dominante que promoveu o golpe
e está implantando a agenda neoliberal no
Brasil.
O resultado tem sido o aumento da
desconfiança da população em relação ao papel e à imparcialidade da Justiça,
que se desdobra em uma crise de legitimidade do próprio Poder Judiciário e das
instituições que integram o sistema de justiça.
A ABJD aposta no diálogo democrático e na
afirmação histórica dos direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988
como antídoto para a superação da crise. Nesse sentido, defende o
reestabelecimento das garantias do devido processo legal e da presunção de
inocência para todas/os as/os acusadas/os. Aposta, ainda, na necessária
democratização do Poder Judiciário, com o efetivo controle social, e com a
instituição de medidas que assegurem o ingresso em seus quadros de pessoas que
expressem a diversidade brasileira.
A ABJD entende que o poder, em uma ordem
verdadeiramente democrática, emana do povo. A existência de eleições livres é
condição necessária para o reestabelecimento da democracia brasileira. E
eleições livres pressupõe o direito do ex-Presidente Lula ser candidato.
Em momento de crise da democracia, a
solução não pode ser outra senão mais democracia. À vista disso, a ABJD
conclama a comunidade jurídica e todo o povo brasileiro a lutar pelo pronto
reestabelecimento do Estado democrático de direito no Brasil.
Rio de Janeiro, 26 de maio de 2018