Nota de repúdio - Caso Janaína

10/06/2018

Nota de repúdio - Caso Janaína



Nota de repúdio - Caso Janaína

No artigo intitulado “Justiça, ainda que tardia”, publicado no jornal Folha de São Paulo, em 09/06/2018, Oscar Vilhena Vieira lançou luzes sobre uma situação deplorável que aflige um número considerável de mulheres em situação de vulnerabilidade social e econômica no Brasil.

Ao abordar os desdobramentos de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face do Município de Mococa e de Janaína Aparecida Quirino (moradora de rua, usuária de drogas e álcool), que obteve determinação judicial para obrigar a esterilização forçada da referida mulher, o artigo nos permite refletir sobre o tratamento usualmente dispensado pelo nosso sistema de justiça à população carente e vulnerável do país.

No caso retratado, o representante do Ministério Público utilizou-se de um instrumento jurídico previsto para a defesa de interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, para submeter uma mulher à esterilização contra a sua vontade, por motivos eugênicos, enunciados desde a petição inicial.

Ao nítido desvio de finalidade no manejo da Ação Civil Pública podem ser adicionadas a ilicitude do objeto da referida ação, haja vista que a esterilização compulsória é expressamente vedada na Lei 9.263/1996, e a violação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Flagrantes ilegalidades, no entanto, não impediram que o Poder Judiciário concedesse a medida liminar para obrigar que o Município de Mococa realizasse o procedimento cirúrgico em Janaína, autorizando, inclusive, o internamento forçado para tanto.

O quadro se agrava quando, ao analisar a ação judicial, constata-se que à Janaína, referida desde a petição inicial como uma pessoa sem condições de discernimento, possivelmente incapaz, não foi garantido o mínimo direito à defesa, nem sequer a ser ouvida nos autos. Em suma, foi tratada como um objeto, uma coisa sobre a qual recaiu a tutela jurisdicional.

O recurso interposto pela Procuradoria do Município foi provido e o Acórdão publicado recentemente, quando Janaína já havia sido esterilizada compulsoriamente. Ao contrário do que indica o título proposto pelo professor da USP ao seu artigo, nem mesmo tardiamente pode-se falar que tenha havido justiça.

A história de Janaína não é atípica. Rotineiramente, cidadãs e cidadãos deste país, especialmente aqueles/as pertencentes a grupos sociais com grande debilidade econômica e/ou vulneráveis, são atingidos/as por atos arbitrários e ilegais praticados por integrantes do sistema de justiça. Contra eles, precisamos nos insurgir!

Assentamos nosso repúdio à conduta do Promotor de Justiça Frederico Liserre Barruffini, autor da petição inicial, e do Juiz de Direito Djalma Moreira Gomes Júnior, que proferiu a sentença que acarretou a mutilação física de uma mulher, com a esterilização forçada, em situação de vulnerabilidade por razões eugênicas.

Compreendendo que a mera declaração de repúdio não possui o alcance necessário a combater abusos de poder desta natureza, informamos, desde já, que ingressaremos com as respectivas representações no Conselho Nacional de Justiça e no Conselho Nacional do Ministério Público, pretendendo que as devidas responsabilidades e sanções sejam apuradas.

SÃO PAULO, 10 de junho de 2018

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA - ABJD





Escolha a ABJD mais próxima de você

TO BA SE PE AL RN CE PI MA AP PA RR AM AC RO MT MS GO PR SC RS SP MG RJ ES DF PB