11/04/2019
80 tiros: racismo estrutural legitimado pelo Estado
A Reação do governo brasileiro à execução do músico Evaldo dos Santos Rosa por militares, no dia 07 de abril último, em Guadalupe, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, com o disparo de 80 tiros contra o carro em que estava com sua família, dirigindo-se a um chá de bebê, é simplesmente estarrecedora. O Ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro classificou o fato como “incidente”, afirmou que essas coisas “infelizmente podem acontecer” e se limitou a argumentar que o importante é que o Exército está apurando. O Exército, por sua vez, em nota divulgada pelo Comando Militar do Leste também lamenta o “incidente” e afirma que está acompanhando o caso desde o início. O presidente Jair Bolsonaro mantém-se em eloquente silêncio.
Nas respostas tardias, decorrentes da repercussão do bárbaro homicídio nas redes sociais, a preocupação das autoridades públicas está em justificar o ocorrido, não com as vítimas ou com medidas tendentes a evitar que ações como essa se repitam. No caso do Ministro Moro a intenção primeira de sua fala é apenas se distanciar do evento, diante da evidência de que se relaciona diretamente com a ampliação do conceito de legítima defesa para agentes do Estado, no projeto de lei que ele, Moro, entregou ao Congresso Nacional, e que se configura verdadeira “licença para matar”.
De fato, é relevante que o caso esteja sendo devidamente apurado, inclusive com a decretação de prisão preventiva de acusados, assegurando-lhes o devido processo legal. O que para nós, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD não se apresenta coerente nem correto é que o ocorrido seja tratado como isolado, como ação de um coletivo reduzido de 9 homens que agiam em nome do Estado.
Longe de ser exceção, o episódio é estruturante. Em regra, as mortes de civis por forças de segurança são registradas como “autos de resistência” e nunca investigadas. Não há como desprezar ou enxergar como secundário tratar-se de uma família negra, menos ainda com o número totalmente absurdo de disparos, com a justificativa pífia de confundir o carro com o de criminosos. Não se pode aceitar como engano a perda de vidas humanas de forma tão violenta por ação do Estado. Para nossa infelicidade, o fato é apenas mais um dentre milhares que demonstram o racismo estrutural legitimado pelo Estado, bem como o despreparo de agentes de segurança para estar nas ruas do país, paradoxalmente matando quem deveria proteger.
Aos agentes públicos que hoje estão no governo federal sobram justificativas e faltam respostas e ações. Suas notas e entrevistas soam como deboche e desrespeito à democracia e às vidas humanas, ceifadas por um Estado cada dia mais autoritário e perverso.
Denunciamos, pois, o horror da barbárie cometida e o silêncio de um governo que promove o uso de armas, estimula a violência como método e alimenta a tática de guerra nas ruas contra a população civil, sobretudo a população negra das periferias do Brasil.