O Brasil vive um momento de crise estrutural.O ciclo político iniciado com a Nova República esgotou-se com o golpe de 2016 e seus desdobramentos, que culminaram com a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência da República, após a interferência do Poder Judiciário afastando o ex-Presidente Lula da eleição.
A Constituição de 1988, fruto desse ciclo político, tem sido diariamente colocada à prova.
Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário estão em aparente desarmonia. Setores das Forças Armadas têm flertado com as disputas políticas, emitindo opinião sobre julgamentos em curso nos tribunais e tomando partido de ações de governo. Medidas para equacionar a crise entre os poderes carecerão de legitimidade se forem adotadas exclusivamente pelo Legislativo ou qualquer outro poder. A solução deve passar, necessariamente, pelo povo, por meio de participação popular, na forma do parágrafo único, do art. 1º, da Constituicao Federal.
A polarização política ocorrida nas eleições de 2018 segue sendo alimentada diariamente, interditando o debate democrático, e paralisando as políticas públicas. A postura presidencial estimula o discurso de ódio, o que faz aumentar o medo, o preconceito e a violência, especialmente contra as mulheres, a população negra, LGBTI+ e os demais grupos vulneráveis.
Até o presente momento, nenhuma resposta concreta foi apresentada pelo governo para superar a recessão/depressão econômica. A renda do trabalho caiu, o desemprego e o desalento atingem mais de 18 milhões de brasileiros e brasileiras, e o endividamento das famílias e empresas chega a 64 milhões de pessoas. O resultado é a redução drástica do consumo e da demanda.
Do ponto de vista do governo, a agenda ultraliberal, que promove o “austericídio fiscal” e a aprovação da Emenda Constitucional 95 (Teto dos Gastos) implicou na redução brutal dos investimentos e dos gastos sociais, bem como a dilapidação e privatização do patrimônio público. Com a redução do consumo das famílias e dos gastos dos governos o dinheiro não circula, a economia segue paralisada, e os empregos não são criados, derrubando o PIB e a arrecadação tributária. Com isso, a crise se agrava.
Como parte dessa agenda, as reformas trabalhistas, aprovadas a partir de 2017, e a reforma da previdência do governo Bolsonaro (PEC 6/2019) visam destruir o sistema de proteção social previsto na Constituição. A primeira atacou os direitos históricos consagrados pelos trabalhadores, desequilibrando a relação entre capital e trabalho. A segunda busca destruir o sistema de seguridade social brasileira (saúde, assistência e previdência social), uma das mais eficientes políticas de inclusão social e de distribuição de renda do mundo.
A ABJD se posicionou contrariamente à reforma trabalhista e às leis e medidas provisórias sobre o tema, por serem inconstitucionais, e por ampliarem a precarização e a desumanização do trabalho, limitando o acesso à justiça, esvaziando a negociação coletiva e visando a estrangular financeiramente os sindicatos.
A posição da entidade não poderia ser outra em relação à PEC 6/2019 (Reforma da Previdência).
A elevação da vida média da população, a ampliação do número de pessoas que conquistaram o direito à aposentadoria, a inteligência artificial e o uso da robótica substituindo milhões de empregos, a necessidade de tratamento isonômico entre os servidores públicos e trabalhadores do regime geral do INSS, o combate implacável à sonegação, a diversificação da base de financiamento da seguridade social com a taxação das grandes fortunas, e a improrrogável tarefa de incluir na previdência milhões de pessoas que ainda se encontram fora dela, justificam ajustes para assegurar uma reforma da previdência democrática.
A PEC 6/2019 porém, ao invés de reformar, desarticula o sistema de seguridade social e destrói a previdência pública por meio da capitalização e da desconstitucionalização. A proposta promove a exclusão previdenciária e o empobrecimentos de milhões de idosos. Isso ocorre, entre outros, pelos seguintes mecanismos: 1] a elevação da carência de 15 para 20 anos para acesso à aposentadoria; 2] a mudança para a lógica contributiva da aposentadoria rural, que promoverá o êxodo rural e prejudicará a produção de alimentos saudáveis; 3] a redução do valor do Benefício de Prestação Continuada – BPC; 4] a desvinculação do valor das pensões por morte do salário mínimo; 5] a redução do valor das aposentadorias por incapacidade permanente; 6] a redução drástica do valor dos benefícios; 7] a exigência de 40 anos de tempo de contribuição para aposentadoria integral; 8] as regras draconianas de transição, especialmente para os servidores públicos; 9] os ataques às aposentadorias especiais e do magistério; 10] o fim da obrigatoriedade do aumento anual para repor a inflação de todas as aposentadorias; e 11] a redução do valor das aposentadorias por incapacidade permanente. As mulheres são as mais prejudicadas, especialmente as professoras, agricultoras familiares e pensionistas.
Reformar para excluir os mais pobres da previdência é o verdadeiro propósito da PEC 6/2019. Basta lembrar que 94% da economia pretendida pelo governo (R$ 1,23 trilhão na primeira década, e R$ 4,5 trilhões en 20 anos) sairá do Regime Geral (INSS), do abono salarial e do BPC, onde não há privilegiados. Os recursos que serão “cortados” prejudicarão as economias locais e as finanças dos municípios, sobretudo os do Norte e do Nordeste, já que grande parte deles vive com as transferências realizadas pela seguridade social.
A ABJD também se solidariza com os estudantes e professores na defesa das universidades e da educação pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada. A educação é o espaço da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Como lugar especial do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, é inaceitável que as escolas e universidades e seus profissionais sejam amordaçados e sofram perseguições ideológicas. As grandiosas mobilizações do último dia 15/05/2019 revelam a disposição para a luta e a resistência diante dos cortes orçamentários realizados pelo MEC.
A ABJD igualmente se coloca ao lado das pessoas, entidades e movimentos sociais que vêm sendo criminalizados, em processos administrativos e judiciais sem provas e motivados por perseguição ideológica.
Como tem feito desde sua fundação, a ABJD seguirá denunciando o caráter seletivo e discriminatório de ações perpetradas pelo sistema de justiça.
A ABJD tem como missão a defesa das instituições democráticas. Para isso, é fundamental que se circunscrevam às competências constitucionais e se autolimitem. O ativismo político do Poder Judiciário e a aplicação do direito penal do inimigo têm contribuído fortemente para o conflito entre os poderes.
As instituições que integram o sistema de justiça devem trilhar os caminhos da legalidade constitucional, afirmando as garantias processuais fundamentais, entre as quais os princípios da legalidade, da presunção de inocência, o do contraditório e o da ampla defesa.
A ABJD exorta os poderes da República a apresentarem soluções efetivas para a crise da segurança pública, a serem construídas com a participação de acadêmicos, especialistas e sociedade. A atual situação é insustentável. Cerca de 64 mil pessoas são assassinadas anualmente, principalmente negros/as e pobres, sem que os autores e mandantes sejam identificados e punidos. A letalidade policial é uma das mais elevadas do mundo.
Para agravar o quadro, o chamado pacote legislativo apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública não apresenta qualquer medida para reduzir a criminalidade. A proposta busca dar “ares de legalidade” a práticas ilegais realizadas por pessoas que integram o sistema de justiça, especialmente no âmbito da operação Lava Jato. Busca ainda, de forma irresponsável, conferir aos policiais “autorização para matar”, por meio da excludente de ilicitude. O “pacote”, os inconstitucionais decretos do Presidente da República liberando o porte/posse de armas e a conivência e até empoderamento das milícias certamente agravarão os problemas de segurança, o extermínio da juventude negra e periférica, e as discriminação contra os LGBTIs.
Diante de uma agenda que tanto prejuízo pode causar à população, a ABJD reinvindica que o sistema de freios e contrapesos funcione de modo que os arroubos dos poderes, especialmente os do Executivo, sejam contidos.
A ABJD, porém, compartilha da opinião de que a luta social e jurídica são fundamentais para a superação da crise estrutural vivida pelo Brasil.
Nesse contexto, a ABJD entende que o diálogo amplo e democrático é condição fundamental para resgatar a força normativa da Constituição e a plenitude democrática brasileira.
#Lula Livre
#Mariele Presente!
#Nenhum direito a menos