Torturas físicas e psicológicas, maus tratos, espancamentos, afogamentos, negação de alimento, água e assistência médica, superlotação e incomunicabilidade da população carcerária. Esse é o quadro encontrado nos presídios do estado do Pará e relatado pelos integrantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA e do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).
A situação grave é considerada resultado da atuação da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) nas casas penais paraenses. O fato foi tema de debate na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira, 4/12, e contou com a participação do integrante da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), José Maria Vieira.
O jurista, que é vice-presidente da comissão de Direitos Humanos da OAB-PA e representante da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, afirma que a intervenção da FTIP - após o massacre ocorrido no presídio de Altamira-PA, em julho, quando 58 presos foram mortos durante uma rebelião -, teve como consequência uma série de denúncias de violações físicas, psicológicas e de direitos contra os presos.
José Maria integrou uma das missões responsáveis por inspecionar os presídios. “O que vimos é lamentável. É um quadro de campo de concentração. Não podemos admitir isso como padrão de comportamento da administração carcerária, essa filosofia precisa ser mudada e combatida”, defende.
Segundo ele, além dos espancamentos e torturas, os presos eram privados durante dias de água potável, banho, alimentação e socorro médico. “Constatamos ações deliberadas por parte da FTIP que se agravaram e isso caracteriza de forma ampla e específica a utilização de métodos de tortura para apavorar e controlar a população carcerária”, define.
O advogado enfatiza que as ações da FTIP foram tomadas como padrão da administração penitenciária. “Não são problemas pontuais e ocasionais que ocorriam anteriormente, se tornou método e isso é preocupante porque a partir do momento que dirigentes se acham no poder de impor sofrimento físico para obter intentos de forma injustificada, é porque o senso civilizatório regrediu e isso nos preocupa muito”, denuncia.
Incomunicabilidade
Outro ponto grave da atuação da FTIP, salientado por José Maria, é que a primeira medida tomada é impedir que os presos se comuniquem com os advogados. “A partir do momento que corta o contato dos presos com advogados que são porta vozes das defesas dos próprios corpos dessas pessoas, você está encobrindo possíveis denúncias de maus tratos, torturas e agressões”, explica.
De acordo com o jurista, quando os presos ficaram incomunicáveis, as práticas de torturas se sucederam e se avolumaram a ponto de chegar às instituições fiscalizadoras e ao Ministério Público Federal (MPF), o que possibilitou o ajuizamento de uma ação civil pública para permitir que fossem feitas inspeções carcerárias nas unidades prisionais.
“A importância dessa audiência é que podemos mostrar tudo o que se tentava esconder. O paradigma da incomunicabilidade precisa ser quebrado, a gente precisa saber o que está acontecendo nos presídios, é fundamental. Mas o que a FTIP faz é impedir que os órgãos de fiscalização tenham acesso às informações”, reforçou.
Finalizando, José Maria lembra que o bom funcionamento do sistema penitenciário faz parte da estabilidade democrática defendida pela ABJD. “A sociedade precisa entender que o discurso oficial que nega a entrada das autoridades fiscalizadoras do sistema penal nas unidades prisionais é uma atitude que não pode prevalecer e precisamos de transparência nas administrações do estado. Na nossa avaliação, o método de conduta da FTIP é ilegal e merece ser reavaliado pelo departamento penitenciário e pelo Ministério da Justiça”.
Em janeiro, uma portaria do Ministério da Justiça e da Segurança Pública autorizou a presença da FTIP no Ceará. Em julho, no Pará. O debate foi solicitado pelos deputados Érika Kokay (PT-DF) e Helder Salomão (PT-ES).