Editorailustracao.com.br/livro/democracia-sistema-de-justica-e-a-luta-dos-povos (link para acesso: https://editorailustracao.com.br/media/pdfs/453/zU969BhXYTgp.pdf)
O livro Democracia, Sistema de Justiça e a Luta dos Povos, organizado por Ecila Moreira de Meneses, Euzamara Carvalho e Verônica Salustiano, explica a Editora em sua aba de divulgação, “reúne reflexões de juristas e intelectuais comprometidos com a defesa da democracia e dos direitos humanos no Brasil e no mundo. As autoras e os autores apresentam análises críticas sobre as lutas populares, os desafios do sistema de justiça, os mecanismos de perseguição política e a necessidade de uma justiça de transição efetiva, compondo um mosaico que articula teoria e prática em torno da resistência democrática. Trata-se de uma obra coletiva que instiga à reflexão e ao posicionamento diante das ameaças recorrentes ao Estado Democrático de Direito. Mais do que um registro acadêmico, este livro é um chamado à ação. Em tempos de obscurantismo, de ressurgimento de práticas autoritárias e de tentativas de golpe contra a Constituição, as vozes reunidas nestas páginas evocam a urgência de enfrentar os “monstros” do fascismo, lembrando que a democracia não é uma dádiva, mas uma construção histórica, inacabada e constantemente desafiada. Ao entrelaçar memória, resistência popular e papel das instituições, a obra projeta um horizonte esperançoso e transformador, convocando leitoras e leitores ao engajamento crítico e à criação coletiva de um futuro democrático”.
Destaco da Apresentação elaborada pelas Organizadoras – Ecila Moreira de Meneses Euzamara Carvalho e Veronica Chaves Salustiano, o arremate que fundamenta a composição da obra:
o presente livro significa mais do que uma publicação entre tantas outras na defesa da democracia, desse terreno comum de práticas e utopias enraizadas no passado, presentes e porosas ao futuro, mas é também, uma declaração pública à sociedade brasileira, de nosso compromisso com a Esperança e da nossa confiança no povo brasileiro como ator protagonista do poder, das instituições fundadas e refundadas pelo vigor da soberania popular.
Se os tempos são áridos, difíceis, desafiadores, haja vista o bloqueio sistêmico da democracia pela ação das redes digitais controladas pelas big techs, pela lógica pulverizadora dos logaritmos pautadas no estímulo ao ódio; também são promissores, pois cresce o sentimento de luta pelo reconhecimento de novos sujeitos, e de uma crítica radical às estruturas de poder existentes. A democracia, cada vez mais, só é defendida pela classe trabalhadora, pelos povos tradicionais, pelos excluídos a partir de formas de ação cooperativa, solidária, assim como pela superação do culto apologético à tecnologia e ao progresso material ilimitado.
Se os reacionários da ordem capitalista creem ter o controle do passado e do presente, dado terem praticamente monopolizado o exercício do poder, da construção de hegemonias, o futuro se anuncia como arte do esperançar, da amplificação do possível via o impossível, da aposta na práxis da construção de um outro mundo. A democracia na história nunca realizou-se na completude de suas promessas, sendo sempre estruturada pelas restrições dos poderosos, cabe a nós, superar a distopia da sociedade de produção de mercadorias, do Deus Dinheiro. Em meio a crueza bestial da guerra, da fome, do ecocídio, dos golpes continuados ao Estado de Direito, a democracia efetivamente democrática apresenta-se como a única alternativa de enfrentamento à barbárie. Ou seja, a utopia terrena, mais precisamente a utopia da democracia, paradoxalmente, seja a única via realista para quem quer salvar o homem, a natureza, o futuro.
Assim, ao refletirmos sobre a democracia, o sistema de justiça e as lutas populares, reafirmamos que a transformação social e a defesa dos direitos não dependem apenas de instituições, mas, sobretudo da mobilização e da resistência dos povos. É na união dessas forças que reside a esperança de uma sociedade mais igualitária, democrática e solidária.
Nosso compromisso é continuar promovendo o diálogo, a formação e a ação coletiva, para que a utopia de uma democracia plena possa, um dia, tornar-se realidade concreta
A convite das Organizadoras preparei o prefácio do livro, a que dei o título – Democracia: vencendo o sombrio para nascer o novo. Resistência, memória e justiça em tempos de transição. Isso porque, lendo os originais da obra que acabou sendo publicada com o título – Democracia, Sistema de Justiça e a Luta dos Povos, logo dei-me conta na minha leitura de que do que se tratava, ligando o conjunto de contribuições e dos posicionamentos das autoras e dos autores, era a Defesa da Democracia e Enfrentamento ao Fascismo.
Tal como salientei no prefácio, o livro está organizado em sub-temas, reunindo contribuições de autores e autoras de reconhecido percurso e reflexão avançada no tema, o que permitiu uma rica articulação de suas elaborações num desdobramento do tema geral em tópicos que enunciam o alcance de sua articulação:
Lutas populares e a defesa da Democracia no contexto nacional e internacional, com as contribuições de Carlos Frederico Marés, Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, Graziela Reis e Rafael Tubone Magdaleno.
A permanente construção do Sistema de Justiça que queremos, decorrente dos artigos de Magda Biavaschi, Cezar Brito e Breno Neno Cavalcante.
Lawfare como estratégia de perseguição às lideranças políticas e aos movimentos sociais, com os artigos assinados pelas professoras e ensaístas Larissa Ramina, Carol Proner, Cleide Martins, Andrea Haas e Rafael Vidal.
Justiça de transição e os recentes ataques à democracia brasileira, a partir dos textos de José Carlos Moreira Silva Filho, Alexandre Guedes, Newton Albuquerque e Sueli Aparecida Bellato.
O privilégio da leitura prévia do manuscrito, para o prefaciar, logo me convocou pela potência, carga simbólica do material preparado pelos autores e autoras, o sentido progressista e contemporâneo dos temas propostos, e o forte apelo à ação e à reflexão, no alcance crítico das análises e até na evocação poético-metafórica presentes na rica leitura dos originais.
Tudo tocou o meu imaginário que logo ecoou a metáfora do sombrio e dos monstros, remetendo ao fantasma dos obscurantismos e dos fascismos, que assombraram e continuam a assombrar a utopia democrática, quase eternizando-se se pensarmos como Umberto Eco (Fascismo Eterno). Logo me acudiram as imagens de Goya (“O sono da razão produz monstros“) ou advertência de Gramsci sobre o “interregno” onde surgem os monstros.
Em 26/3, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, aceitar denúncia contra o ex-presidente da República e sete de seus associados, tornando-os réus em um processo penal.
Na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF), caracterizados como integrantes de um núcleo crucial foram acusados dos seguintes crimes: Organização criminosa armada: formação de grupo estruturado com o objetivo de cometer crimes utilizando armas; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito por meio de violência ou grave ameaça, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais; Golpe de Estado: tentativa de depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído; dano qualificado: destruição, inutilização ou deterioração de bens públicos, especialmente quando há emprego de violência ou ameaça; e deterioração de patrimônio tombado: danos causados a bens protegidos por seu valor histórico, artístico ou cultural.
Ao aceitar a denúncia o STF não exerce apenas uma atribuição técnico-jurídica mas se credencia para exercer constitucionalmente a função de garante da Democracia e de guardião da Constituição. Eis a espessura da sombra que anuvia o horizonte democrático no Brasil. A dinâmica da contrafação, do lesa-pátria expõe a trama de uma conspiração golpista, não contradita pelas defesas que se concentraram no esforço vão e contraditório entre si, de descaracterizar os enquadramentos evidentes, à luz das provas, dos depoimentos e dos fatos encontrados sob a guarda dos agentes dos delitos.
Daí a importância dos temas tratados no livro, numa quadra em que recalcitrâncias antidemocráticas revelam que a despeito de reiteradas manifestações da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre estabelecer que a falta de responsabilização e as disposições de anistia ampla, absoluta e incondicional consagram a impunidade em casos de graves violações dos direitos humanos, pois impossibilitam uma investigação efetiva das violações, a persecução penal e sanção dos responsáveis. Especificamente sobre o monitoramento que exercita em relação ao Brasil, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em seu último relatório (2021), ofereceu recomendações sobre ações que tendem a fragilizar e até extinguir esse sistema, como o enfraquecimento dos espaços de participação democrática, indicando, entre as recomendações, a necessidade de “investigar, processar e, se determinada a responsabilidade penal, sancionar os autores de graves violações aos direitos humanos, abstendo-se de recorrer a figuras como a anistia, o indulto, a prescrição ou outras excludentes inaplicáveis a crimes contra a humanidade”, prevenindo o nunca mais.
As autoras e os autores, em suas análises, ao circundarem o tema proposta para orientar a edição da obra, que não se trata apenas de garantir a Democracia, mas de aferir, de modo incontornável, a capacidade da sociedade civil, dos movimentos sociais, populares e das organizações dos trabalhadores, para exercitar a experiência pedagogicamente exemplar, de educação para a Democracia e para a Cidadania.
Os artigos lembram, em face da realidade os avisos sobre a exigência de vencer o sombrio e os monstros, que são os fantasmas do fascismo. Porque, é preciso que o novo nasça e se realize a utopia democrática de sua transformação e futuro, com a tonalidade esperançosa e progressista — quase como um parto político: os textos por isso falam de luta, de resistência e de criação coletiva, lembrando que a democracia não é uma dádiva, é uma construção. Trata-se de defendê-la, de recriá-la, na sua incompletude e no seu potencial de contínua reinvenção.
Na leitura dos artigos vê-se que eles unem os pilares das lutas democráticas (resistência popular), a importância da memória (justiça de transição, verdade histórica), e o papel das instituições (justiça) em um momento de instabilidade e reconfiguração social.
São títulos, autoras e autores, por isso, muito alinhados com o sentido crítico e transformador que se depreende da disposição organizadora da obra. Que por essa razão, a meu ver, o livro exibe com densidade política, atenta às referências críticas a processos históricos e institucionais, a urgência de posicionamento. Em suma, em discernir no presente tensionado, o sentido de transição entre a passagem do autoritário do passado e do presente para um futuro já vislumbrável no presente, convoca o leitor engajado, para mobilizar-se e comprometer-se com a criação desse futuro, no qual a Democracia vence o sombrio, o nascer o novo, a novidade da transubjetividade humana emancipada.
O livro “Democracia, Sistema de Justiça e Luta dos Povos”, do Observatório Justiça e Democracia da ABJD, teve seu lançamento durante o Encontro Nacional de Democratização do Acesso à Justiça, evento que aconteceu na sede do MJSP, em Brasília e que teve como objetivo construir uma agenda nacional voltada à ampliação do acesso à justiça, por meio do diálogo qualificado entre os diversos atores envolvidos na formulação e implementação de políticas públicas.
Durante o Encontro deu-se também o lançamento da Escola Nacional de Acesso à Justiça (Enaju) — plataforma on-line e gratuita que irá ofertar capacitações para democratizar o conhecimento sobre o sistema de justiça, fortalecer a cidadania e ampliar os instrumentos de acesso à justiça para populações historicamente vulnerabilizadas.
Tive ensejo de participar do ato de lançamento, junto com as organizadoras, autoras e autores, evento que acabou se constituindo um momento articulado, aos próprios objetivos do Encontro. Conforme tive a oportunidade de comentar, ver a propósito, meu artigo na Coluna O Direito Achado na Rua (https://brasilpopular.com/a-defesa-da-soberania-e-as-emergencias-do-nosso-tempo/.
O livro e sua apresentação durante o Encontro, contribuiu e se constituiu também matéria para a troca de experiências e a identificação de demandas comuns, proporcionou audiência para a escuta dos participantes, e de diferentes segmentos sociais. Além disso, contribuiu para qualificar o debate institucional e impulsionar mudanças no modelo de justiça, visando à construção de políticas públicas mais inclusivas, adaptadas às realidades locais e comprometidas com a garantia de direitos e da cidadania (ver, a propósito, meu artigo na Coluna O Direito Achado na Rua.