*Prof. Dr. José Eduardo (Pepe) Resende Chaves Jr. é membro da ABJD, doutor em Direitos Fundamentais e desembargador aposentado do TRT-MG.
Sobre o voto do ministro Luiz Fux em relação ao julgamento do núcleo 1 da tentativa de golpe, a r. decisão incorreu em grave error in judicando ao fragmentar a análise das condutas, como se se tratasse de episódios isolados, ignorando por completo a natureza coletiva e estrutural do delito de organização criminosa.
Esse equívoco metodológico é usualmente instrumentalizado como estratégia de advogados da máfia, pois tem tem como efeito prático o de blindar o verdadeiro mandante, expondo apenas os agentes de execução subalterna.
Ocorre que o artigo 2º da Lei nº 12.850/2013 não condiciona a responsabilidade penal do dirigente ou financiador à prática de atos executórios. Ao contrário, o legislador buscou atingir justamente o núcleo dirigente, ciente de que, na dinâmica própria da criminalidade organizada, os líderes raramente se expõem na execução material dos delitos, exercendo seu papel mediante comando, estruturação e coordenação do grupo.
Ocorre que o artigo 2º da Lei nº 12.850/2013 é categórico ao prever como crime o ato de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”, de modo que não se exige a prática de atos executórios. A própria razão de ser da norma é atingir o núcleo dirigente, ciente de que, no modus operandi da criminalidade organizada, os líderes raramente se expõem na execução material dos delitos, exercendo seu papel mediante comando, coordenação e sustentação da estrutura criminosa.
O parágrafo 3º do artigo 2º da Lei 12.850/2013 é literal:
§ 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.
Ao restringir a imputação aos executores diretos, a fundamentação do Ministro Fux inverteu a lógica da lei, que visa responsabilizar de forma especial aqueles que, à sombra e com aparente distância, determinam, planejam e sustentam o funcionamento da engrenagem criminosa.
Tal interpretação reduz o alcance da norma e, na prática, representa verdadeira impunidade seletiva: pune-se o braço, mas se poupa a cabeça da organização.
Não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, que o julgador se furte ao exame do fenômeno organizacional do crime, sob pena de esvaziar a efetividade da Lei nº 12.850/2013 e permitir que os líderes se mantenham invisíveis ao Direito Penal.