Liberdade para Assange

27/04/2022

Liberdade para Assange


 Justin TALLIS/AFP


A sucessão de absurdos da política nacional, naturalizada pelas ações desavergonhadas de um mandatário que não cansa de assombrar o Brasil com sua displicência moral e ética, remete a segundo plano preocupações que, por sua relevância, deveriam receber mais atenção da sociedade, especialmente da mídia brasileira.

Desde a semana passada, encontra-se no ministério do interior britânico pedido judicial final para a extradição de Julian Assange aos Estados Unidos para ser julgado por 18 acusações cujas penas, somadas, podem chegar a 175 anos de prisão. O processo resultou de uma ampla operação de Lawfare que não se acanhou em ferir convenções internacionais, ignorar procedimentos processuais internos, espezinhar direitos fundamentais, fatos imensamente notórios de tão denunciados.

Julian Assange está preso em prisão de segurança máxima no Reino Unido, enfermo, envelhecido e praticamente incomunicável, desde 2019, depois de ter sido arrancado pela polícia britânica da embaixada do Equador em Londres, onde permaneceu recluso em asilo diplomático, de 2012 até o fatídico dia em que foi traído pelo presidente equatoriano Lenín Moreno com a súbita revogação de seu asilo em troca de um imoral empréstimo com o FMI e a permissão para que os ingleses invadissem um espaço diplomaticamente inviolável para consumar uma cobiçada captura que, até hoje, sequer os súditos da Rainha entendem a motivação.

Acrescido o tempo de uma primeira ordem internacional de prisão emitida, em 2010, pela Suécia, há muito tornada sem efeito por ausência de sustentação fático-jurídica, são 12 anos de perseguição implacável a alguém que, longe de haver cometido qualquer crime, contribuiu, e muito, com a humanidade, ao divulgar, através de seu portal WikiLeaks, que grandes corporações privadas e inúmeras nações, como os Estados Unidos, cometiam toda sorte de fraudes e abusos contra o sistema comercial e financeiro, a soberania de nações, os direitos humanos. No caso dos norte-americanos, inclusive, demonstrando que execuções covardes de civis aconteceram durante a invasão do Iraque no ano de 2007.

Em síntese, Assange vem sendo acossado por expor os podres de um sistema que prioriza fraudes e números em detrimento de ética e pessoas. Martirizado por haver dado publicidade a informações guardadas a sete chaves do conhecimento público por governos assassinos. Sacrificado por ter levado às últimas consequências a máxima de que somente através de uma imprensa livre uma ambiência democrática pode reivindicar-se verdadeiramente democrática.

Não admira que, apesar de toda incoerência, não goze da solidariedade dos conglomerados de comunicação mundiais, inclusive os tradicionais veículos de imprensa do Brasil, a maioria, sem exceção, veiculada ao poder econômico. Que não se beneficie, outrossim, da empatia de nações ditas constitucionais, desde que a sujeira de suas instituições seja mantida debaixo do tapete. Mais vergonhoso ainda quando se percebe a indolência coletiva dos covardes de plantão com a malograda crença dos Estados Unidos de que possuem direito de exercer jurisdição global, decidindo sobre o futuro de tudo e de todos como se fossem juiz natural do Planeta inteiro.

Menos mal que, ao revés, organizações da sociedade civil, ativistas, intelectuais e sensibilizados, em geral, com a injustiça em pleno curso, levantam-se mundo afora contra a iminente extradição de Julian Assange e em prol de sua imediata libertação. A agonia de Assange é o aprisionamento da coletividade aos grilhões do imperialismo e do grande capital. Sua liberdade, por outro lado, é um sopro de esperança de que tal desastre não será o fatídico fim da história.



Marcelo Uchôa

Professor Doutor de Direito Internacional Público da Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) - Núcleo Ceará e do Grupo Prerrogativas. Twitter/Instagram: @MarceloUchoa_



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