09/01/2019
Bolsonaro e o fim do auxílio-reclusão: realidade e ficção
Por Tania Maria de Oliveira*
Ao
seguir na tática eleitoral de semear desinformação para colher
apoio, o governo Bolsonaro, ao que tudo indica, vai exigir mais de
quem se propõe a defender direitos dos cidadãos. A vítima da fake
news
do presidente eleito do último dia 04 de janeiro foi o
auxílio-reclusão.
As
críticas ao benefício não são uma novidade, inclusive pelo
próprio presidente ao tempo que ocupava o cargo de deputado federal.
No campo conservador sempre se semeou inúmeras desinformações,
apelidando o benefício de “bolsa bandido” e afins, maximizando o
valor pago e criticando a fonte do recurso como sendo desviado de
outras destinações.
O
primeiro “equívoco” é de que o auxílio-reclusão seria pago ao
detento quando, de fato, o valor é remuneração feita aos seus
dependentes, entre eles cônjuges, filhos com até 21 anos e não
emancipados, filhos inválidos ou com algum tipo de deficiência,
enteados ou menor sob tutela, como irmãos, pais e mães idosos, que
dependiam da renda do filho ou filha antes de ser encarcerado/a. Isso
porque, com a restrição da liberdade, seus dependentes ficam
financeiramente desamparados, tal qual ocorre na pensão por morte.
O
segundo engodo é fazer crer que se paga o benefício às famílias
de todos os presos. De fato, regulado
pela Lei nº 8.213/1991 e reafirmado no Decreto nº 3.048/1999, o
provento é pago apenas a detentos que contribuíram com a
previdência e que estão no grupo de trabalhadores de baixa renda no
país, ou seja, nas classes C, D e. O valor, portanto, é oriundo da
contribuição do segurado que é preso, e não retirado dos tributos
pagos por cidadãos em geral. E varia de acordo com a contribuição
do detento no ano anterior à sua prisão, dividido entre o número
de dependentes.
A
restrição, caso seja efetivada pelo governo Bolsonaro, afetará
famílias de renda muito baixa e trará consequências sociais
gravíssimas, como a vulnerabilidade dessas famílias às
organizações criminosas, que terão instrumento econômico para
operar seu assédio frente a presos e familiares pobres e desprovidos
de fontes de renda.
No
debate de macro política, os números do sistema carcerário
brasileiro ocupam páginas de jornais e revistas há algum tempo,
sobretudo quando eclodem rebeliões nos presídios dos estados. É
quando a mídia se ocupa de mostrar o déficit
de vagas e as latrinas humana que chamamos de cadeias. Numericamente
ocupamos a triste terceira posição mundial. São cerca de 720 mil
presos, em uma curva sempre crescente, que não deixa dúvida sobre a
lógica do encarceramento em massa pelo Estado brasileiro.
No
imaginário social há resistência em pensar uma política
alternativa ao encarceramento, em primeiro lugar pelo equívoco de
associar prisão à prática de violência. A sociedade em regra é
levada a deduzir que os presos no Brasil são assassinos e
estupradores, perpetuando uma estigmatização do cidadão
encarcerado como “bandido” quando, na verdade, os presos por
crimes violentos respondem a menos de 20% do total, segundo as
estatísticas do Departamento Penitenciário do Ministério da
Justiça e do fórum Brasileiro de Segurança Pública. A grande
massa carcerária praticou crimes patrimoniais e se envolveu com
drogas. Cerca de 40% dos presos sequer foi julgado, encontra-se em
prisão cautelar.
Ou
seja, cria-se a ilusão de que prender pode reduzir os números da
violência, quando esta, de fato, cresce na mesma proporção do
aumento do número de detentos. Não há relação.
Por
seu turno, negar direitos aos presos aliado à falta de uma política
consequente de ressocialização não pode produzir consequências
outras senão a prática de mais crimes e o
fortalecimento de facções, que buscam suprir a ausência do Estado
na oferta de benefícios aos presos e seus familiares. Retirar um
direito legítimo dos dependentes de um cidadão que se encontra
preso, e que cumprira os requisitos de contribuir com a previdência,
é obstar um direito humano fundamental, que pode lhes comprometer a
sobrevivência.
Ao
fazer da retirada do direito ao auxílio-reclusão uma bandeira para
atingir “bandidos”, Bolsonaro certamente não mudará em nada a
grave situação da violência no país, tampouco estará dando um
passo para enfrentar a questão dos números do sistema carcerário.
Estenderá,
isso sim, o estigma social que envolve os detentos às suas famílias,
prejudicando pessoas civilmente incapazes e vulneráveis, incluindo
crianças e idosos. Desse modo, evidencia - sob a pecha de combater
“direitos de bandidos” - além de ignorância e falta de empatia
com o sofrimento alheio, sua incapacidade de buscar soluções não
fictícias e midiáticas para um grave problema real.
*Tania Oliveira é sócia fundadora da ABJD e membra da executiva nacional da entidade.