13/12/2019
Sexta-feira 13
De longa data, a sexta-feira 13 tem sido associada ao azar na nossa cultura. As possíveis origens são diversas. Em uma delas, a antiga aversão babilônica ao número 13. Em outra, a morte de Jesus em uma sexta-feira, após a santa ceia, que contou com 13 presentes, sendo um deles o traidor.
Na versão mais comentada, foi em uma sexta-feira, 13 de outubro de 1307, que, em tempos de crise econômica e visando se apossar do dinheiro dos templários, Filipe IV, Rei da França, uniu-se ao Papa Clemente V em uma ofensiva contra a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo do Templo de Salomão (os templários), prendendo e torturando vários deles, inclusive o seu líder, o Grão Mestre Jacques de Molay.
Sob tortura, diante da prisão ilegal, os templários foram forçados a confessar sodomia, beijos obscenos, blasfêmia, adoração a Baphomet, dentre outras coisas. Sob a justificativa da necessidade de punição desses atos, os bens dos templários foram confiscados e eles foram queimados em praça pública, sendo eternamente associados ao satanismo no imaginário popular, a partir de uma campanha de fake news, de caráter falsamente moralista e com amplo apoio de setores religiosos reacionários, mas cujo objetivo era colocar o patrimônio dos templários sob a disposição do rei da França e acabar com um possível adversário.
No Brasil, em 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira, o governo autoritário dos militares editou o Ato Institucional n°. 5. Tudo começou a partir de uma campanha de fake news, de caráter falsamente moralista e com amplo apoio de setores religiosos reacionários, que serviu de mote ao golpe civil-militar de 1964 (a partir da propagação da falsa ameaça comunista representada por João Goulart) e de justificativa para que, em 1968, o setor “linha dura” do regime militar pressionasse o Presidente Costa e Silva a tomar medidas mais rígidas de combate à oposição.
Isso após o Congresso Nacional decidir não suspender a imunidade do deputado Márcio Moreira Alves, por ter feito um discurso clamando a população a boicotar o desfile de 7 de setembro e as mulheres, em especial, a recusarem-se a ter relações com os militares, de modo a fazer com que os militares silenciosos, discordantes do regime, se posicionassem.
O Ato Institucional nº. 5 (AI-5), ou o “golpe dentro do golpe”, inaugurou a segunda fase do regime ditatorial – o período de maior violência e perseguição aos opositores do regime, também conhecido como “anos de chumbo” (1969-1974).
Nas suas disposições, o AI-5 previa, dentre outras coisas, o fechamento do Congresso Nacional por tempo indeterminado, a possibilidade de o Presidente suspender direitos políticos por 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, a possibilidade de o Presidente decretar o Estado de Sítio e prorrogá-lo, a possibilidade de o Presidente decretar o confisco de bens por enriquecimento ilícito, a suspensão do habeas corpus nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular e, por fim, a exclusão da apreciação do Judiciário de todos os atos praticados de acordo com o AI-5 e seus Atos Complementares, bem como seus efeitos.
Lênio Streck levanta dados de que o Ato Institucional atingiu diretamente 1.577 cidadãos brasileiros: suspendeu 454 pessoas em cargos eletivos; aposentou 548 funcionários civis; reformou 241 militares; demitiu sumariamente 334 funcionários públicos; cassou 6 senadores, 110 deputados federais, 161 deputados estaduais, 22 prefeitos, 22 vice-prefeitos, 22 vereadores, 3 ministros do Supremo Tribunal Federal; afastou 23 professores da USP, afastou 10 cientistas do Instituto Oswaldo Cruz; proibiu ou mutilou cerca de 500 filmes de curta metragem, proibiu ou mutilou aproximadamente 450 peças teatrais, proibiu ou mutilou mais de 100 revistas, proibiu ou mutilou mais de 500 letras de músicas, proibiu ou mutilou mais de 200 livros.
Além do fechamento do Congresso Nacional por um período superior a dez meses, o AI-5 teve como consequências a prisão imediata de Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek, a cassação de diversos mandatos políticos e um sem número de pessoas presas, torturadas, em exílio forçado, mortas ou desaparecidas.
É importante lembrar que Carlos Lacerda foi um dos maiores articuladores políticos da instabilidade no país e do Golpe Militar que se seguiu e, no entanto, por discordar posteriormente da Ditadura, teve o mesmo destino do seu opositor, o ex-Presidente Juscelino Kubitschek. Um claro exemplo de aplicação concreta do ditado espanhol: “Cria corvos e eles te comerão os olhos”, ou, como se diz em algumas regiões do Maranhão, “não cuspa pra cima que não lhe caia na cara”.
Diante das últimas notícias repercutindo a defesa do AI-5 por parte de setores do governo e do próprio filho do Presidente, é preciso que lembremos constantemente do que aquela Sexta-feira 13 representou para o país e do quanto está em risco quando se esquece do passado recente e se diminui a gravidade das barbaridades perpetradas durante a ditadura militar. Do contrário, será cumprida a profecia de Millôr Fernandes, para quem “O Brasil tem um enorme passado pela frente".
Advogado, Professor e integrante
da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD)*