Estados Unidos, Irã, Immanuel Wallerstein

08/01/2020

Estados Unidos, Irã, Immanuel Wallerstein





Um dos mais proeminentes sociólogos, economistas e historiadores da atualidade foi Immanuel Wallerstein. De origem judia polonesa, professor de Yale até o ano de 2000, Wallerstein faleceu em agosto de 2019, aos quase 88 anos. Wallerstein esteve em março de 2014 para conferências na Escola de Ciências Social na Universidade de Teerã, numa visita que foi acompanhada pelo jornal The Washington Post. Nem é preciso dizer da imensa curiosidade que a visita desencadeou. Se se adiciona ao alvoroço as teses defendidas por um intelectual do respeito e da reputação mundial de Wallerstein, tem-se, então, quase um fim de mundo. Wallerstein sustentava que as ações do Ocidente e dos EUA, especialmente em relação ao Irã, eram antes sinais do declínio do poderio americano no cenário internacional do que qualquer outra coisa.

As desconfianças de Washington tornadas públicas sobre os passos de Teerã quanto ao enriquecimento de urânio nada mais seriam do que o infantil desejo de tornar público o que acordos com a Agência Internacional de Energia Atômica exigiam: seis meses antes de equipamentos entrarem em funcionamento deve o país responsável dar conhecimento à Agência. Foi o que Teerã fez e os EUA transformaram em ameaça mundial o cumprimento de uma formalidade de direito internacional.

Aqui a posição mais firme de Wallerstein, publicada também em artigo no The New York Times de 1º de outubro de 2009: “Eu sempre concordei com o direito de os EUA, Israel e o Irã alcançarem o status de potência nuclear. A minha diferença com eles tem sido simplesmente relativa ao fato de que isto me parece normal, inevitável, e não um desastre geopolítico”.

No mesmo texto, Wallerstein concorda com a posição do ex Presidente Lula: “O Irã é denunciado por uma violação muito menor de normas internacionais do que aquela de outros três países [Índia, Israel e Paquistão]. O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, aponta que o Brasil também está enriquecendo o urânio e não vê nada de errado com o Irã de fazer o mesmo”.

Wallerstein explicita que a pretensão iraniana de ser potência regional nuclear corresponde àquela já atingida por Israel, e que não é incomodado pela comunidade internacional com sua “política da opacidade”: nem confirma, nem nega que dispõe de armamento nucleares. O domínio pelo Irã de armas nucleares recomporia o equilíbrio bélico da região. Todos sabem que sim, que Israel tem armamentos nucleares, conseguidos em colaboração com a França, desde o final dos anos 50, e já testados em conjunto com a África do Sul, em setembro de 1979, no episódio conhecido como “incidente Vela”. Mais uma vez, sem qualquer sanção da comunidade internacional.

Não resta dúvida que as posições de Immanuel Wallerstein ajudam a compreender a complexidade das relações no Oriente Médio, e os possíveis desdobramentos diante do recente assassinato do General Qassim Soleimani. Wallerstein é um dos raros intelectuais a criar um ambiente de análise distante da paixão e dos interesses patrocinados por think tanks; mas guiado pela frieza da razão da história, para que se arrisque opinião sobre as futuras ações do Irã e das potências mundiais num cenário agora agravado.

Qualquer país jamais deixa de responder ao que entende consistir ataque à sua integridade política e territorial. O Irã tem agido assim. Porém, sua resposta à perda de sua mais importante figura militar deverá ser refletida também a partir da posição que China e Rússia tomarão. Na semana passada, estas duas potências mundiais e o Irã desenvolveram exercícios militares conjuntos no Oceano Índico e Golfo de Omã. Um vínculo militar tão recentemente realizado não será abalado por uma eventual ação isolada e intempestiva da liderança iraniana. Tampouco os descendentes do Império Persa seriam amadores a tal ponto. Não é insensato dizer que o Irã agirá de acordo com Rússia e China, assim como também não o é prever que Israel agirá em conjunto com os EUA. Afinal, a todos é concedida a razão de defender sua existência.

Quaisquer que sejam as medidas tomadas por todos os lados, remanescem os conhecidos e enormes desafios: respeito à existência do outro. Enquanto o Ocidente entender o Oriente Médio como seu quintal e não reconhecer as “injustiças da natureza”, que dotou a região das maiores reservas de petróleo do mundo, não haverá paz possível. Se os alegados valores liberais, tão caros ao Ocidente fossem mesmo uma aposta concreta, monarquias cruéis, como a saudita, não mais receberiam as honras ocidentais, e o Ocidente pagaria o preço elevado por seu consumismo, que procura manter às custas de catástrofes humanas e contínuas guerras. 

As palavras de Thomas Jefferson Duninng, escritas em 1860, e reproduzidas por Karl Marx n’ O Capital, ainda são de enorme atualidade: O capital tem horror à ausência do lucro ou do lucro pequeno, como a natureza do vazio. Com lucro adequado o capital torna-se audaz; com 10%, seguro; com 20%, excitado; com 50% de lucro, temerário; com 100% pisoteará qualquer lei humana; com 300% de lucro não há crime que não cometa mesmo sob a ameaça da forca. Se tumulto e confusão trouxerem lucro, serão pelo capital encorajados. Prova: contrabando e comércio de escravos.

*Martonio Mont’Alverne Barreto Lima 
Integrante da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) e 
Professor Titular da Universidade de Fortaleza

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