O direito humano à alimentação adequada e as merendas em São Paulo

08/01/2020

O direito humano à alimentação adequada e as merendas em São Paulo








O direito humano à alimentação adequada está previsto no artigo 25 da Declaração Universal dos Direito Humanos (1948) e no Pacto de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, artigo 11. A Emenda Constitucional 64 de 2010 incluiu esse direito no artigo 6° da Constituição Federal [1].

Em 2002, o Relator Especial da ONU para o Direito à Alimentação trouxe a seguinte definição:

“O direito à alimentação adequada é um direito humano inerente a todas as pessoas de ter acesso regular, permanente e irrestrito, quer diretamente ou por meio de aquisições financeiras, a alimentos seguros e saudáveis, em quantidade e qualidade adequadas e suficientes, correspondentes às tradições culturais do seu povo e que garantam uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões física e mental, individual e coletiva” [2].

A lei n° 11.346/06, elaborada com participação de representantes do governo e sociedade civil, criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar (SISAN). Destaque para o art. 2° § 2°:

“§ 2° É dever do poder público (grifo nosso) respeitar, proteger, promover, prover, informar, monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação adequada, bem como garantir os mecanismos para a sua exigibilidade”.

No âmbito escolar, temos o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que busca formar hábitos alimentares saudáveis e equilibrados, com a utilização de produtos provenientes da agricultura familiar (no mínimo 30%, segundo a lei 11.947/09), e com o envolvimento não só dos alunos, mas também dos funcionários, professores, pais e comunidade.

O PNAE, se aplicado por gestores competentes, melhora o aprendizado das crianças e adolescentes, movimenta a economia local, estimulando a agricultura familiar, e ajuda a prevenir futuros problemas de saúde na população, como obesidade, diabetes e hipertensão[3]. Importante lembrar que, em 2011, o Sistema Único de Saúde (SUS) teve um gasto de quase meio bilhão de reais (R$ 487,98 milhões) em razão de problemas causados pela obesidade[4].

Em 2015, o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT) sancionou o PL 451/2013 que determina a obrigatoriedade da inclusão de alimentos orgânicos nas merendas das escolas municipais. Segundo o art. 5° da lei: “Será priorizada a aquisição de alimentos orgânicos ou de base agroecológica diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, conforme lei Federal n° 11.326/2006”.

Apesar do recente avanço na cidade de São Paulo, ficamos muito a dever, na esfera estadual, no que se refere a merendas e alimentação saudável. O Estado mais rico da federação, governado há 25 anos pelo PSDB, tem um péssimo histórico nesse setor; vide o escândalo da máfia das merendas, esquema de superfaturamentos e desvios na compra de alimentos para escolas estaduais, alvo de uma CPI na Assembleia Legislativa (ALESP).

No ano de 2017, João Dória (PSDB) já mostrou a que veio quando assumiu a prefeitura da capital paulista, com o episódio grotesco de crianças sendo marcadas à caneta nas mãos para não repetir a merenda e a infame ração humana, diminuindo a aquisição de orgânicos e utilizando sobras de alimentos processados que a indústria teria que pagar para descartar (de tão absurda, a proposta não foi adiante) [5].

Mal começou o ano de 2019, e a administração Dória, agora na chefia do executivo estadual, nos brindou com mais um capítulo desta série de terror: a compra de merenda em frigoríficos interditados. O curioso é que, mesmo após o escândalo ser revelado, em março do ano passado, o frigorífico autuado continuou a participar e ganhar licitações para fornecer carne às escolas estaduais [6].

Para coroar sua cruzada contra a alimentação saudável, o governador vetou a utilização do Parque da Água Branca, nesta capital, para a realização da já tradicional feira de alimentos orgânicos organizada anualmente pelo Movimento dos Trabalhadores sem terra (MST), no ano passado.

Iniciando 2020 com o “pé direito”, foi revelado um esquema criminoso em várias prefeituras do interior do Estado, onde contratos de fornecimento de alimentos ao sistema público de ensino eram superfaturados, com a substituição dos produtos de maior custo, como carnes e proteínas, por produtos mais baratos, a exemplo de ovos, mais arroz e pipoca[7].

Através desse pequeno histórico, percebemos que o descaso com a alimentação dos filhos dos trabalhadores no Estado de São Paulo não é um fato isolado, mas sim uma prática comum, de caráter classista. Precisamos popularizar e difundir a ideia de que a alimentação adequada é um direito humano reconhecido pela Constituição Federal e Tratados Internacionais, e que é dever do Estado não apenas fiscalizar, mas sim promover políticas públicas que atendam às diretrizes da legislação.

*Formado em Direito, membro da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) e do coletivo estadual de Direitos Humanos do PT/SP.

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